Tentativa de suicídio: do acolhimento a abordagem primária na emergência
Caio Pluvier e Violeta BedranIntrodução:
O comportamento suicida é um fenômeno humano complexo e multidimensional de saúde pública, que tem se tornado progressivamente mais comum no Brasil devido a fatores de diversificadas origens, que abrangem o gênero, a classe social, o abuso de álcool e demais drogas, a idade, a ausência de companheiro, o isolamento social, história de abuso sexual na infância, entre outros (1). As manifestações associadas ao comportamento autolesivo são amplas dentro de um conjunto de pensamentos e atos que englobam sete categorias: suicídio completo; tentativa de suicídio; atos preparatórios para o comportamento suicida; ideação suicida; comportamento autoagressivo sem intenção de morrer; automutilação não intencional; automutilação com intenção suicida desconhecida (2). Neste artigo, busca-se esclarecer e compilar as condutas de acolhimento e atendimento primário às ações autolesivas que ofereçam risco à vida do indivíduo, sob os métodos epidemiologicamente mais relevantes.
Epidemiologia:
Presume-se que inúmeros casos de tentativas de suicídio não são notificados ou relatados. Estima-se que para cada caso de suicídio notificado, outras quatro não foram registradas (3) o que resulta numa subestimação dos dados que não evidenciam a verdadeira dimensão dessa problemática. No entanto, segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), tem-se que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio por ano no mundo, sendo essa a segunda principal causa de mortalidade entre jovens entre 15 e 29 anos.
Presume-se que inúmeros casos de tentativas de suicídio não são notificados ou relatados. Estima-se que para cada caso de suicídio notificado, outras quatro não foram registradas (3) o que resulta numa subestimação dos dados que não evidenciam a verdadeira dimensão dessa problemática. No entanto, segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), tem-se que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio por ano no mundo, sendo essa a segunda principal causa de mortalidade entre jovens entre 15 e 29 anos.
Os estudos apontam também que, no Brasil, em 2016 houveram 45.468 tentativas de suicídio corroborando a compreensão que se trata de uma prioridade de combate para a OMS, o que derivou o plano de Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio do Ministério da Saúde (6), em 2006.
É importante ressaltar que o risco de suicídio aumenta de acordo com o número de tentativas e também está associado a menores intervalos de tempo entre esses eventos; isso é corroborado pelas estatísticas que indicam que de 30 a 60% dos indivíduos atendidos nos serviços de emergência já tiveram uma tentativa de autoextermínio prévia e terão minimamente 10% de chances de tentarem novamente até um ano seguinte.(4)
Dentre os principais meios de autoextermínio, segundo a Secretaria de Vigilância Nacional em Saúde, tem-se que cerca de 40% sejam por enforcamento, seguido de intoxicação exógena (~13%) e por fim, por arma de fogo (~4%). (7)
Vale discutir que, a maioria dos serviços de emergência são portas de entrada para o acolhimento de pacientes suicidas, se configurando um importante espaço para identificação, caracterização e intervenção dos riscos de reincidência de tentativa. Entretanto, muitos profissionais, por despreparo ou por dificuldade de lidar com esses pacientes, deixam de usufruir de tal oportunidade, tratando esses indivíduos, muitas vezes de modo hostil e estereotipado.(5)
Fatores de Risco e Prevenção:
A ideação suicida possui diversos fatores de risco que podem se apresentar individualmente ou podem interagir de modo a integrar os diferentes níveis de risco para o paciente. Dentre esses fatores, destacam-se:
- Distúrbios psiquiátricos: a maior parte das pessoas que tentam suicídio possuem o diagnóstico de doença psiquiátrica ou um transtorno mental diagnosticável (8,9, 10). Dentre esses os mais comuns são depressão (todas as formas), transtornos de personalidade (antissocial e borderline com traços de impulsividade, agressividade e frequentes alterações de humor), uso de substâncias psicoativas; esquizofrenia (geralmente altamente instruídos e paranóides) e transtornos orgânicos de humor. (10)
- Episódios prévios de tentativa de suicídio: tentativas anteriores de suicídio potencializa o risco de uma nova experiência auto lesiva, como já mencionado anteriormente. O que enquadra o profissional de saúde em uma importante posição de avaliar as condições desencadeantes, situação do paciente, sua percepção e as consequências de cada evento anterior, para preveni-las posteriormente. (11)
- Histórico familiar: familiares que já se suicidaram, ou que possuem transtornos mentais ( inclusive abuso de drogas) são fatores que acresce o risco de uma nova tentativa para o paciente suicida, principalmente se o parentesco for de primeiro grau. (12)
- Doenças incapacitantes: o risco de suicídio aumenta em doenças crônicas e dolorosas, como esclerose múltipla, doenças nos ossos e articulações, condições renais, hepáticas ou gastrointestinais, entre outras. Pacientes que possuem dificuldades de andar, enxergar ou ouvir, também são bastantes vulneráveis (6). Neoplasias (principalmente no início do diagnóstico/tratamento), HIV/AIDS, são outros exemplos que oferecem risco, nesse caso.(13)
- Estresse psicossocial: problemas interpessoais (discussões com amigos, companheiros); rejeição; luto; problemas financeiros/ no trabalho; mudanças sociais repentinas (mudanças políticas e econômicas abruptas); sentimento de vergonha ou culpa, auxiliam na precipitação das tentativas de autoextermínio. (6)
- Idade entre 15 e 29 anos e maiores que 65 anos: a juventude tem em sua própria constituição a impulsividade sobre os fenômenos diversos; já os idosos, sentem-se progressivamente menos importantes no contexto que estão inseridos (que associado às doenças da idade), aumenta-se as chances de suicídio
- Gênero: embora as mulheres sejam destaque nas tentativas de suicídio, os homens são epidemiologicamente os que mais consumam o ato de suicidar-se. (7)
Para a prevenção do suicídio não há guideline específico e único para todos os casos, no entanto, alguns sinais de alerta podem ser emitidos por aqueles que estão vivenciando uma crise suicida. Dentre eles podemos destacar:
- Aparecimento ou agravamento de problemas de conduta ou de manifestações verbais durante pelo menos duas semanas, embora sejam vistas como chantagens emocionais;
- Preocupação excessiva com a sua própria morte ou falta de esperança (visão extremamente negativa sobre a vida e o que está a volta);
- Isolamento: se manifestando na redução de interações sociais, reclusão espacial, não atendimento às chamadas.
- Expressão de ideias ou intenções suicidas:
- “Eu preferia estar morto”
- “Eu não posso fazer nada”
- “Eu não aguento mais”
- “Eu sou um perdedor e um peso para os outros”
- “Os outro serão mais felizes sem mim”
- “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar”
- “É inútil tentar mudar, eu só quero me matar”
Diante de tais sinais de alerta, existem 4 atitudes que podem e devem ser tomadas, de acordo com a “Cartilha de Prevenção de Suicídio do Ministério da Saúde (2004):
Acolhimento e Manejo Clínico do Paciente Suicida:
Embora as pesquisas apontem que os profissionais de saúde não aproveitam o primeiro contato com o paciente suicida (5), esse momento de criação de confiança e vínculo com o paciente é de extrema relevância, e influencia todo o manejo clínico posterior (14).
Nesse contexto, é importante separar um local para anamnese, calmo e seguro, com total privacidade, e sem nenhum objeto que seja um risco potencial ao paciente. É importante, primariamente, reservar um tempo para ouvi-lo atentamente, mostrando sempre a capacidade de empatia e sem mostrar julgamentos (15) - para isso, recomenda-se um início de conversa com perguntas amplas: “tem enfrentado muitos problemas recentemente?” ou “Como tem se sentido ultimamente?” ou “O que tem te motivado a tirar sua vida? Já pensou como?”. E a partir disso, identificar nas respostas se há a tríade de retroalimentação de sentimentos da pessoa suicida, cuja existência é um sinal de alerta:
WHO, 2014
É válido analisar, também que, os pacientes suicidas possuem três estados mentais preponderantes no que tange a ideação autolesiva - compreendê-las fornece ao profissional que está no serviço de acolhimento, subsídios para uma abordagem mais minuciosa e precisa, são elas (6):
- Ambivalência: trata-se do estado mental mais comum e duradouro entre os suicidários, em que há um duelo incessante entre o desejo de morrer e o de viver. Nesse sentido, cabe ao profissional do acolhimento “inclinar a balança” para o desejo de viver, falando frases de estruturação positiva e de esperança.
- Impulsividade: a tentativa de suicídio tem um grande componente de impulsão, sendo uma atitude que dura de minutos a poucas horas, desencadeada por um fato negativo imprevisto ou que se agravou repentinamente. Nesse caso, para reduzir o desejo de autoextermínio, o profissional deve acalmar o paciente e tentar fazê-lo perceber que está em um contexto transitório.
- Rigidez: a pessoa suicida tem o pensamento e ação restritos, invariáveis. Nesse sentido é importante ampliar as possibilidades de resolução de problemas de acordo com cada caso, isto é, mostrar que há inúmeras possibilidades para lidar com esse fato estressor.
Após a escuta especializada, e a determinação inicial do estado mental do suicida. Os passos seguintes a serem tomados são:
- Avaliação do suporte: cabe ao médico avaliar os sistemas de suporte psicológicos que o paciente possui disponível para solicitar ajuda, nesse sentido temos, a família, um assistente social, um amigo, um conhecido, alguma instituição religiosa, entre outros.
- Contrato: estabelecer um acordo de “não-suicídio” pode corresponder a uma ferramenta útil na prevenção de eventos posteriores, é sempre interessante envolver pessoas que se relacionam com o paciente neste contrato, e a discussão dos aspectos resolutivos que ele propuser deve ser sempre promovidos e esclarecidos. No entanto, esse método deve ser empregado apenas com pacientes que possuem controle sobre as suas próprias ações.
- Encaminhamento: caso o médico perceba que o paciente possui uma ideação suicida severa, uma doença psiquiátrica, histórico prévio de suicídio ou um suporte social precário; cabe a ele encaminhar para um especialista psiquiátrico e um terapeuta (cognitivo-comportamental).
- Hospitalização: em situações em que o paciente tem pensamentos auto agressivos muito recorrentes; ou com uma determinação rígida de morrer nas próximas horas ou dias; agitação ou pânico; ou um plano de ação suicida concreto e imediato; a internação se torna imperativa ao profissional de saúde. Esse também possui o dever de informar à família e as autoridades necessárias.
Classificação de Risco e Conduta:
É essencialmente clínica, e se baseia em um score adaptado pelo Ministério da Saúde do M.I.N.I (2000), International Neuropsychiatric Interview. E categoriza o risco de suicídio em baixo, médio ou alto, o que determina a conduta a ser tomada em cada classificação (16).
International Neuropsychiatric Interview.
Frente a realização das perguntas acima, e o respectivo enquadramento do paciente nos níveis de risco supracitados, as condutas recomendadas são as seguintes (17):
É importante discutir que, em casos da tentativa de autoextermínio já consumada, a conduta será determinada de acordo com o método utilizado pelo paciente. Posto isso, em casos de socorro a essas vítimas, devem ser seguidas as diretrizes do Advanced Trauma Life Support (ATLS), do mesmo modo que para todo paciente vítima de trauma.
Manejo Psicofarmacológico :
O uso de medicamentos do manejo do paciente suicida tende a ser diferencial. principalmente em casos críticos de estresse mental, o que pode reduzir muito o risco de uma próxima tentativa. Para tanto, o que indica a literatura são as seguintes drogas:
- Benzodiazepínicos : são importantes em casos de pânico e ansiedade (15), relacionando-se com a diminuição da ideação suicida inicial. É importante ressaltar que o uso dessa classe farmacológica deve ser feita cautelosamente, pois diminui os mecanismos de inibição do paciente, podendo piorar o caso de pacientes Borderline (18)
- Diazepam 5 a 10 mg (VO) - de 1 a 3 vezes/ dia
- Clonazepam 0,5 a 2 mg (VO) - de 1 a 3 vezes/ dia
- Antipsicóticos atípicos: diminuem os riscos de suicídio entre pacientes psicóticos, por diminuir a sua agitação e ansiedade.
- Olanzapina: 5 mg/ dia (VO)
- Hemifumarato de Quetiapina: 300 a 400mg/dia (VO)
- Antidepressivos: não trazem efeitos imediatos. No entanto, podem ser indicados após a abordagem do caso agudo, haja vista que o suicídio tenha relação íntima com a depressão.
- Lítio: seu uso contínuo está associado a queda de 80-90% dos casos de suicídio. E acima de 90% de queda nos pacientes com transtorno de humor, sendo considerado o único fármaco estatisticamente efetivo para a prevenção do suicídio. Embora deva ser administrado com acompanhamento médico, devido aos cuidados com seus níveis séricos.
Referências:
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- Posner K, Oquendo MA, Gould M, Stanley B, Davies M. Columbia Classification Algorithim of Suicide Assessment (C- CASA): classification of suicidal events in the FDA’s pediatric suicidal risk analysis of antidepressants. Am J Psychiatric. 2007; 164(7):1035-43.
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- Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública. 2013; 29(1):175-87
- Taylor TL, Hawton K, Fortune S, Kapur N. Attitudes towards clinical services among people who self-harm: systematic review. Br J Psychiatry. 2009;194(2):104-10.
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