Saturday, October 13, 2018

ATENDIMENTO E TRANSPORTE À CRIANÇA POLITRAUMATIZADA


ATENDIMENTO E TRANSPORTE À CRIANÇA POLITRAUMATIZADA

Por: Klynsman Grisotto e Vanessa Rodrigues



INTRODUÇÃO:
A importância do trauma na literatura médica sempre foi descrita e teve atenção aumentada no decorrer do desenvolvimento da saúde pública, tendo seu reconhecimento atual devido à morbimortalidade associada. Porém, sem ter critérios de classificação como faixa etária, sexo, etnia, entre outros, relacionados. No Brasil, assim como nos outros países da América Latina, o trauma é um dos principais componentes de letalidade, além de corroborar com a alta necessidade de atenção médica às condições associadas ao trauma e aumento de internação hospitalar. Em relação às crianças, as “causas externas” (acidentes e violências) tem chamado atenção devido ao aumento expressivo de internações, custo hospitalar e morbidade representativa.
O atendimento à criança vai desde o evento traumático e abordagem da equipe pré-hospitalar até o transporte para a unidade hospitalar mais próxima; onde será realizada a avaliação inicial, buscando-se estabilidade do paciente, além da identificação e do tratamento de lesões que ponham em risco sua vida. Esse atendimento se dá por etapas, que se resumem ao exame primário, exame secundário e os cuidados definitivos, podendo ser feitos em diferentes momentos de todo esse processo. Para que o atendimento eficaz seja alcançado, é necessário trabalhar, visto o avanço de recursos em emergências hospitalares, num sistema de hierarquização e regionalização dos serviços a crianças gravemente doentes, o qual consiste na transferência entre unidades de saúde e transporte pediátrico de qualidade, para que se melhore seu prognóstico.

OBJETIVO:
Investigar, por meio de uma revisão de literatura, a abordagem e o transporte do paciente politraumatizado pediátrico.

METODOLOGIA:
Foi realizada uma pesquisa entre os meses de agosto e setembro de 2018 nas bases indexadoras MedLine e SciELO, além de uma revisão de referências anteriores em publicações significativas, utilizando-se das seguintes palavras chaves: ("trauma" OR "trauma pediátrico") AND (“exame primário” OR "exame secundário") AND (“atendimento pré-hospitalar” OR "transporte pré-hospitalar"). Foram encontrados 12128 artigos e selecionados apenas dois de acordo com os critérios de inclusão pré-estabelecidos. Além disso, foi utilizada a oitava edição do livro “PHTLS – Atendimento Pré-hospitalar Traumatizado” e a segunda edição do “Protocolos de Intervenção para o SAMU 192- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência”

RESULTADOS:
EXAMES PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO
A avaliação do paciente traumatizado deve ser dividida em fases: exame primário, reanimação, adjuntos, reavaliação, exame secundário e adjuntos, reavaliação e finalmente cuidados definitivos. De nada difere o atendimento à vítima adulta da vítima pediátrica, porém, particularidades anatômicas e fisiológicas devem ser levadas em questão.

Exame Primário
O exame primário segue a ordem “ABCDE” do curso de Suporte Avançado em Pediatria, da American Heath Association, desta forma:
A: airway. = vias aéreas
B: breathing. = respiração
C: circulation. = circulação
D: disability. = avaliação neurológica
E: exposure. = exposição
  1. Aqui encontra-se um diferencial entre o suporte à vítima adulta e pediátrica, devido a cavidade menor, traqueia mais curta e a laringe em posição cefálica que dificultam ao socorrista a manutenção da via aérea e intubação traqueal. Como a cabeça da criança é maior em relação ao seu corpo, aumenta-se os riscos de lesão medular e traumatismo craniano. A intubação sempre deve ser precedida por ventilação com bolsa-máscara e oxigenação, porém em pacientes com traumatismo facial grave a cricotireoidostomia pode ser necessária. A estabilização da coluna cervical deve ser feita com um colar semirrígido para que se evite os movimentos do pescoço durante a estabilização das vias aéreas.
  2. A oxigenação e ventilação devem ser constantemente avaliadas, tendo a oxigenação suplementar que chegar a maior concentração possível. Devido à distensão gástrica aumenta-se o risco de vômitos e aspiração. Lembrar que a frequência menor do que 10 ou maior que 60 irpm, em qualquer idade pediátrica, sugere problema potencialmente grave.
  3. O suporte à função cardiovascular deve ser constantemente analisado. Avaliar frequência e ritmo cardíacos, pulsos periféricos, tempo de enchimento capilar (normal até 2s), pele (coloração, umidade e temperatura), pressão arterial. Deve-se controlar hemorragias externas via compressas e reestabelecer o volume circulatório adequado. Os sangramentos internos, quando não diagnosticados, são a maior causa de morte passível de ser evitada
  4. Deve-se fazer exame sumário das pupilas quanto ao tamanho, reatividade à luz e simetria. O estado de consciência é classificado segundo a Escala de Coma de Glasgow.
  5. Deve-se despir o paciente para se analisar toda a superfície corpórea. No caso do lactante, a perda de calor é rápida, sendo necessário avaliar a temperatura constantemente, já que sua diminuição causa aumento do consumo de oxigênio.


Figura 1: Fluxograma da utilização do DEA/AED em crianças. (fonte:American heart association®)

Exame Secundário
Todos esses procedimentos visam o equilíbrio funcional da criança traumatizada que é reavaliado no exame secundário, que só deve ser realizado após finalização do exame primário, quando as condições de risco e vida já foram identificadas e tratadas.
O exame físico específico inicia-se sentido craniocaudal:
  • Cabeça e pescoço: deve-se procurar perfurações, lacerações, abrasões, contusões e inchaços. Avaliar sinais de sangramento, principalmente no couro cabeludo, observando se as luvas sujaram de sangue ou não. Breve avaliação da traqueia é indicada, procurando por crepitações e outros sinais de fratura. Nas crianças obnubiladas ou que apresentam convulsão após o trauma deve-se utilizar o tubo nasogástrico ou orogástrico.
  • Tórax: procurar por contusões pulmonares a partir de dispneia e sinais de esforço respiratório, como tiragem subcostal. Deve-se atentar aos sons pulmonares anormais do paciente e buscar sinais de fratura costal.
  • Abdome: palpação visando procurar distensões, abaulamentos e massa palpável. Além de ficar atento à coloração, equimoses e sensibilidade da região.
  • Pelve: deve-se analisar somente uma vez, visando o não aumento de lesões na região e hemorragia oculta.
  • Extremidades: devem-se ser palpadas, buscando-se analisar suprimento vascular, deformidades, hipersensibilidades e déficit neurológico. No caso da criança, lesões epifisárias são mais frequentes devido a não formação completa do esqueleto.

TRANSPORTE

PRÉ-HOSPITALAR
A atenção pré-hospitalar resume-se à abordagem inicial, com controle das vias aéreas, ventilação, controle circulatório, imobilização adequada e encaminhamento para a unidade hospitalar destinada. O serviço de transporte é responsável por fornecer, dentro do menor tempo possível, atendimento médico adequado, respeitando as condições de segurança. Assim, espera-se que a organização do atendimento pré-hospitalar reduza a mortalidade e as consequências deletérias do trauma. Todavia, estudos demonstram que a redução do tempo de resposta pré-hospitalar não determina um impacto significativo na sobrevida global dos indivíduos traumatizados, ou ainda, não definem se esse tempo de resposta é responsável pela redução da mortalidade quando se avalia um sistema pré-hospitalar eficiente e capacitado. Apesar de tempos de resposta variados serem encontrados nas diversas publicações, predomina a média aproximada de 10 minutos para a chegada da equipe pré-hospitalar na cena - informação muito preocupante se o dado é comparado com o de outros países. Além disso, é importante ressaltar que a tentativa de estabilização hemodinâmica do indivíduo traumatizado pelas equipes de atendimento pré-hospitalar aumenta o tempo no local da cena e, consequentemente, o tempo global do atendimento pré-hospitalar. A diminuição do tempo de resposta não pode interferir na qualidade do atendimento, por isso, seu benefício, muitas vezes, não é tão considerável.

INTER-HOSPITALAR
O transporte inter-hospitalar adquire papel fundamental, devendo ser considerado como ponto estratégico dentro do conceito de sistema de atendimento ao traumatizado, quando a condição local de atendimento não permite a avaliação adequada e completa do traumatizado, ou ainda, quando os recursos são escassos e existe a necessidade de avaliação de especialidades não disponíveis. Sua estrutura básica deve conter: Central de comunicação, equipe multidisciplinar adequada à situação do transporte, veículos adequados e devidamente equipados para situações diversas.
É importante ressaltar que a participação de profissionais especializados diminui significativamente os riscos e melhora os índices de morbidade e mortalidade associados ao transporte. Dessa forma, embora possa funcionar conjuntamente com um transporte geral, um sistema de transporte que atenda também crianças, compartilhando equipe, veículos e estrutura administrativa, deve ser composto de pediatras na sua organização, coordenação e integração. Ademais, é essencial que todo o sistema possua ainda, treinamento específico para o transporte pediátrico de cuidados intensivos, protocolos próprios, equipamentos e insumos apropriados para o cuidado de crianças e recém-nascidos.

CONCLUSÃO
A abordagem necessária ao paciente pediátrico deve, sempre que possível, seguir os protocolos vigentes, buscando-se a análise individual do evento e da vítima. Além disso, é prioritário se atentar ao exame primário, secundário e transporte da criança politraumatizada para que se tenha o melhor dos prognósticos, visando reduzir a morbimortalidade dela, além de sua estabilização fisiológica que busque afastar as chances de sequelas e óbito.


REFERÊNCIAS
1. Prehospital Trauma Life Support (PHTLS) atendimento pré-hospitalar ao traumatizado, 8ª edição. NAEMT & ACS. 2016, Editora Elsevier.
2. HVARTSMAN, C.; CARRERA, R.; ABRAMOVICI, S. Avaliação e transporte da criança traumatizada. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 81, n. 5, supl. p. s223-s229, nov. 2005.
3. ABRAMOVICI S.; SOUZA, R.L. Abordagem em criança politraumatizada, Jornal de Pediatria 1999 (Rio J.).
4. Protocolos de Intervenção para o SAMU 192- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Brasília: Ministério da Saúde, 2ª edição, 2016.