Por Guilherme M. Fernandes e Tadeu F. dos Santos
Introdução
A queimadura consiste em uma lesão proveniente do contato da pele com um agente capaz de danificar os tecidos corporais e acarretar a morte celular através da produção de calor excessivo. Como exemplo temos: substâncias quentes, chamas, eletricidade, substâncias químicas, gelo ou radiação. De acordo com a profundidade da lesão na pele são dadas as seguintes classificações:
- Queimadura de 1° grau - Somente a epiderme é atingida e os sintomas são vermelhidão e dor, tem resolução em cerca de uma semana, além de não deixar cicatrizes.
- Queimadura de 2°grau - A epiderme e parte da derme são atingidas e os sintomas são vermelhidão, dor e há a presença de bolhas, que tanto podem ter resolução natural, quanto pode necessitar de intervenção cirúrgica.
- Queimadura de 3° grau - Todas as camadas da pele são atingidas e há perda de fluidos e distúrbios metabólicos. Não há dor, pois os nervos foram arrancados junto à pele lesionada na queimadura. São ferimentos espessos e esbranquiçados, que precisam de tratamento cirúrgico especializado.
- Queimadura de 4 º grau – Quando há a exposição de nervos, tendões e ossos, frequentemente causadas por descargas elétricas.
A seguir será apresentado o passo a passo para o atendimento inicial das vítimas de queimaduras.
Tratamento de Emergência das Queimaduras
- Tratamento no pré-hospitalar:
- Interrupção da queimadura: irrigação com água à temperatura ambiente;
- Remova roupas, joias, anéis, piercings e próteses;
- Antes do transporte, cobrir as feridas com curativos estéreis não aderentes e umedecidos com soro fisiológico. Se possível, aplicar curativo antimicrobiano com sufadiazina de prata a 1% ou nitrato de prata a 0.5%;
- Tratamento da dor: dipirona ou morfina.
2. Tratamento na sala de Emergência:
A- Vias aéreas
- Avaliar presença de corpos estranhos e obstrução;
B- Respiração
- Aspirar vias aéreas, se necessário;
- Administrar oxigênio 100% com máscara umidificada (na suspeita de inalação de monóxido de carbono, manter por três horas);
- Verificar sinais de inalação (queimaduras faciais, chamuscamento dos cílios e vibrissas nasais, depósitos de carbono e edema na orofaringe escarro carbonado);
- Manter cabeceira elevada em 30°;
- Indicações de intubação orotraqueal quando:
- a escala de coma de Glasgow (ECG) for menor do que 8;
- a PaO2 for menor do que 60;
- a PaCO2 for maior do que 55 na gasometria;
- a SatO2 for menor do que 90 na oximetria;
- houver edema importante de face e orofaringe;
C- Circulação
- Verificar perfusão distal e aspecto circulatório;
- Atentar para choque hipovolêmico não hemorrágico e hidratação do paciente;
- Atentar para queimaduras circulares no tórax, já que diminuem a expansibilidade torácica;
- Acesso venoso: obtenha preferencialmente acesso venoso periférico e calibroso, mesmo em área queimada, e somente na impossibilidade desta utilize acesso venoso central;
- Instale sonda vesical de demora para o controle da diurese nas queimaduras em área corporal superior a 20% em adultos e 10% em crianças.
D- Neurológico
- Avaliar déficit neurológico ou motor devido a possíveis inalações de toxinas;
- Atentar para traumas associados (fratura de ossos e lesão de coluna vertebral).
E- Exposição
- Deixar o paciente completamente exposto para uma avaliação completa;
- Retirar pulseira, anel e colar devido a possibilidade de estrangulamento do membro e condutância de calor;
- Atentar para hipotermia, tendo em vista que o paciente queimado tende a perder o sistema de regulação da temperatura.
A avaliação da extensão da queimadura, em conjunto com a profundidade, a eventual lesão inalatória, o politrauma e outros fatores determinarão a gravidade do paciente. Um critério utilizado pelos profissionais de saúde na avaliação do paciente vítima de queimadura é a superfície corpórea queimada (SCQ) - figura 1 e tabela 1.
Tabela 1: Regra dos Nove- Queimados. Fonte:Gomes, Dino R; Serra, Maria C; Pellon, Marco A. Queimaduras: um guia prático.
Figura 1: Regra dos Nove Em Crianças e Adultos. Fonte:Gomes, Dino R; Serra, Maria C; Pellon, Marco A. Queimaduras: um guia prático.
Tabela 1: Regra dos Nove- Queimados. Fonte:Gomes, Dino R; Serra, Maria C; Pellon, Marco A. Queimaduras: um guia prático.
Figura 1: Regra dos Nove Em Crianças e Adultos. Fonte:Gomes, Dino R; Serra, Maria C; Pellon, Marco A. Queimaduras: um guia prático.
É importante salientar que a superfície da palma da mão corresponde a 1% da superfície corporal do indivíduo. Além disso a queimadura pode ser classificada com base na SCQ em local ou sistêmica. Uma queimadura é considerada sistêmica se
atingir mais de 25% da superfície corporal. No paciente com esse tipo de queimadura há uma grande preocupação com a desidratação e a formação de edemas que podem gerar uma síndrome compartimental, na qual a elasticidade da pele é levada ao limite e o edema pode comprimir os vasos e outras estruturas internas.
A hidratação deve ser feita utilizando a fórmula de:
Parkland = 4 ml x %SCQ x peso (kg),
com uso preferencial de solução Cristalóide (Ringer lactato). Nas primeiras 8 horas deve ser infundido 50% do volume calculado, e os 50% restantes nas 16 horas seguintes. Na fase de hidratação (nas 24h iniciais), evite o uso de coloide, diurético e drogas vasoativas. Além disso, deve-se passar o cateter vesical com o objetivo de monitorar seu débito urinário, que deve ser acima de 0,5 ml por kg por hora.
Outro ponto importante é a situação vacinal do paciente, tendo em vista o risco de tétano nesses tipos de incidentes.
Alguma condições determinam maior gravidade das queimaduras, dentre elas:
- Extensão/profundidade maior que 20% de SCQ em adultos;
- Extensão/profundidade maior que 10% de SCQ em crianças;
- Idade menor do que 3 anos ou maior do que 65 anos;
- Presença de lesão inalatória;
- Politrauma e doenças prévias associadas;
- Queimadura química e trauma elétrico
- Queimaduras em áreas nobres (olhos, orelha, genitais, face, músculo, nervo etc)
- Em queimaduras elétricas deve-se atentar para risco de hipercalemia, arritmias cardíacas e insuficiência renal
Em situações de síndrome compartimental ou queimaduras circunferenciais de tórax pode ser necessário a realização de Escarotomia a fim de melhorar a expansibilidade da caixa torácica e reestabelecer a circulação local. Para Escarotomia de tórax realiza-se incisão em linha axilar anterior unida à linha abaixo dos últimos arcos costais. Já no caso dos membros devem ser realizadas incisões mediais e laterais. (FIGURA 2).
Figura 2: Linhas de incisão para Escaratomia. Fonte: Lima Júnior, Edmar M. et al. Tratado de queimaduras no paciente agudo. São Paulo: Atheneu, 2008.
Figura 2: Linhas de incisão para Escaratomia. Fonte: Lima Júnior, Edmar M. et al. Tratado de queimaduras no paciente agudo. São Paulo: Atheneu, 2008.
Situações corriqueiras e seus erros
- Não passe no local atingido nenhum produto ou receita caseira. Qualquer substância que seja passada sobre a pele queimada vai irritá-la. Há também o alto risco de infecção por bactérias, fungos e vírus presentes nesses produtos, já que a pele está danificada.
- Não passe nenhuma pomada no local atingido. A pele fica extremamente sensível após uma queimadura.
- Não tente estourar as bolhas provocadas pela queimadura. Elas se manifestam nas queimaduras de segundo grau e devem ser manuseadas apenas por um profissional especializado.
- Tecidos ou materiais que grudam no ferimento, como o algodão, devem ser evitados. O paciente queimado não deve retirar a roupa que estiver usando, ainda que houver sido atingida pelo fogo. O ideal é molhar a vestimenta e permanecer assim até a chegada ao pronto-socorro, para evitar que as bolhas estourem e que a pele seja arrancada.
Conclusão
Apesar de ser um assunto corriqueiro, sempre surgem dúvidas em como proceder frente a um queimado, em especial entre os leigos. Sendo assim, faz-se necessário difundir essas informações que, apesar de serem básicas, podem melhorar muito o atendimento inicial e facilitar o atendimento intra-hospitalar dos pacientes, poupando sofrimento desnecessário e um desgaste ainda maior.
Referências:
1) BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde, 2012.
2) GOMES, D. R.; SERRA, M. C.; PELLON, M. A. Tratado de Queimaduras: um guia prático. São José, SC: Revinter, 1997.
3) NASÁRIO. O. N.; LEONARDI, D. F. Queimaduras: Atendimento Pré-Hospitalar. Editora Unisul, 2012.
4) Primeiros Socorros e Cuidados. Sociedade Brasileira de Queimaduras. Disponível em: http://sbqueimaduras.org.br/queimaduras-conceito-e-causas/primeiros-socorros-e-cuidados/. Acesso em 15/08/2017, às 23:21 horas.