Tuesday, April 4, 2017

Manejo das Lacerações Superficiais de Pele: O Que Todo Acadêmico de Medicina Deve Saber

Por Luciana Thurler Tedeschi e Mateus Mendes Oroski

Apesar do surgimento de novas opções terapêuticas como grampos, adesivos, colas para tecido, anestésicos tópicos e suturas rapidamente absorvíveis, as técnicas básicas de reparo não sofreram mudanças consideráveis.

Deve-se considerar, na terapêutica das feridas, o mecanismo de injúria, o local, o intervalo entre a avaliação/procedimento e a ocorrência da lesão, a extensão, o comprometimento neurovascular/tendíneo, as comorbidades e o grau de contaminação. Esses fatores determinam o tipo de fechamento a ser realizado, podendo ser primário, através das intervenções descritas a seguir, ou secundário, com reepitelização e formação de tecido de granulação. O segundo caso é recomendado para feridas que são de alto grau de contaminação e em mordidas nas extremidades. Há ainda um terceiro tipo de manejo, o fechamento primário tardio/terciário -no qual mantem-se aberta a feria e na ausência de infecção após 3 a 5 dias é realizado o procedimento-. O mesmo é utilizado para lacerações grandes ou que tem importância cosmética mas que não podem ser submetidas ao fechamento primário.

Dentre os métodos para o manejo das feridas destacam-se:

Sutura;
Grampos, sendo usados frequentemente quando se deseja um fechamento rápido porém com pior aproximação das bordas de ferida. Recomendado para lacerações em dorso, pernas, braços, mãos, pés e escalpe;
Adesivos e fitas são menos dolorosos e mais rápidos, ideais para lacerações pequenas ou superficiais não submetidas a tensão.

O material básico para manipulação das lesões inclui: solução de limpeza como clorexidina ou iodopovidona, gaze estéril, anestésico local, uma seringa de 5 ou 10 ml, uma agulha calibre 25 a 30 para injeção do anestésico, solução salina, um recipiente e panos estéreis. No caso das suturas é necessário um porta agulha, uma pinça denteada e uma tesoura.

O anestésico mais frequentemente utilizado é lidocaína 1%. Cada 1ml de solução 1% contém 10mg de lidocaína, devendo-se utilizar dose máxima de 4,5mg/kg. O mesmo possui duração média de 30min e caso necessária uma anestesia de longa duração (4-6h) deve-se utilizar Bupivacaina. A associação com adrenalina reduz o sangramento, aumenta a quantidade de anestésico que pode ser utilizada e a intensidade do bloqueio produzido, porém deve ser evitada em áreas de suprimento único (nariz, pênis, pontas dos dedos, orelha).

Os fios disponíveis no mercado são divididos em: absorvíveis e inabsorvíveis. Os absorvíveis podem ser naturais/orgânicos (multifilamentados como categute, colágeno) ou sintéticos (que podem ser multifilamentados como ácido poliglicólico e poliglactina 910 ou monofilamentados como poligliconato e polidioxanone). Os inabsorvíveis podem ser naturais/orgânicos (multifilamentados como algodão, seda, linho, aço inox) ou sintéticos (que podem ser multifilamentados como poliester e náilon trançado ou monofilamentados como náilon e polipropileno). Para pontos percutâneos, monofilamentos de fio não absorvíveis devem ser utilizados. Fios absorvíveis são recomendados em casos de reparo subcutâneo profundo ou se a remoção da sutura for traumática. A espessura adequada do fio varia de acordo com local da lesão. Fios 6.0 são indicados para face, enquanto 3.0, 4.0, ou 5.0 são usados em dorso, braços, pernas, mãos e pés.

As agulhas são classificadas quanto a sua curvatura (¼, ⅜, ½ , ⅝ de círculo ou retas ou meia curva). Para suturas superficiais e grandes, a mais utilizada é a ⅜ de círculo. Suturas que serão realizadas com espaços confinados, como a cavidade oral, devem ser realizadas com ½ ou ⅝ . Existem três tipos de agulhas disponíveis para suturas, em relação a sua geometria: agulhas de corte inverso (preferencialmente utilizada), reverso e regular.

O preparo da sutura deve ser realizado seguindo-se os passos:
1. Explicar o procedimento ao paciente;
2. Colocar o material em fácil acesso e o paciente com laceração exposta e iluminada;
3. Higienizar as mãos, colocar as luvas estéreis e o escudo protetor;
4. Limpar com agente degermante de forma centrífuga (das bordas da ferida para fora);
5. Com a agulha no tecido subcutâneo, aplicar o anestésico lentamente, avançando com a medida que o aplica. Deve-se sempre tracionar o êmbolo para assegurar que um vaso não foi acometido. O anestésico não deve ser colocado diretamente na ferida, já que pode prejudicar a cicatrização, conter substâncias tóxicas ao tecido subcutâneo e levar agentes infecciosos para regiões mais profundas;
6. Aguardar 2 minutos para efeito da lidocaína 1%;
7. Irrigar a ferida com soro fisiológico até estar visivelmente limpo. Esse procedimento não é feito em casos de tecidos altamente vascularizados ou tecidos soltos, preferindo esfregar gentilmente a área afetada com gaze estéril;
8. Remover corpos estranhos com pinça e tecidos desvitalizados usando um bisturi antes de iniciar o reparo;
Atualmente, não é indicado realizar tricotomia, pelo maior risco de infecções.

Para a sutura em ponto simples é ideal o conhecimento do posicionamento dos instrumentos, técnica, como realizar nós e dos cuidados imediatos e tardios.

Na mão dominante deve ser utilizado o porta agulha, com o dedo indicador estendido, e na mão não-dominante, a pinça dente de rato, de maneira apropriada a agarrar a agulha na junção do terço proximal e médio em um ângulo de 90 graus.

Com a mão em pronação, deve-se colocar o primeiro ponto no centro da ferida, com angulação de 90 graus em relação a pele. A pinça pode ser utilizada para auxiliar na eversão da borda da ferida. Realize a supinação do punho e do porta agulha descrevendo uma curva e agarrando a agulha com a pinça.  Realizar o mesmo processo no lado oposto da laceração. Puxe o fio de modo que uma cauda de 3 cm permaneça no lado da entrada.

Enrole o fio da extremidade ligada a agulha ao redor do porta agulha duas vezes. Gire o porta agulha 90 graus e segure a extremidade livre da sutura com o mesmo. A seguir, puxe as duas extremidades em direções opostas apertando o nó apenas o suficiente para aproximar as bordas da ferida. Nos próximos laçamentos enrole a sutura sobre o porta agulha apenas uma vez, alternando as voltas para frente e para trás, totalizando três lances. Evitar a confecção de nós sobre a linha de cicatrização já que o nó pode ser incorporado ao coágulo que se forma durante a cicatrização. Corte a sutura deixando fios de aproximadamente 1 cm.

Uma vez terminado limpe o local com solução anti-séptica. Cubra o reparo (exceto os de face e couro cabeludo) com uma gaze estéril, não aderente. Deve-se orientar a troca dos curativos diariamente, mantendo a ferida seca nas primeiras 12-24h e posteriormente lavando a ferida suavemente com água e sabão. A gaze deve ser mantida por pelo menos 48h. Evitar expor a ferida de 6 a 12 meses, pois pode causar hiperpigmentação.

Outros tipos de pontos contínuos e separados podem ser escolhidos de acordo com a preferência médica e a indicação clínica. Na prática do emergencista, os mais utilizados, além do ponto simples, são os pontos em chuleio, X e Donatti. O chuleio é uma sutura do tipo contínua, de execução fácil é rápida, estando indicada para o fechamento de feridas extensas, com baixo risco de contaminação e em áreas de pouca importância estética. O ponto em X é uma adaptação do ponto simples, sendo realizado com duas passadas paralelas, permitindo melhor hemostasia. Possui boa indicação nas suturas de couro cabeludo, que usualmente cursam com sangramento profuso. Por último, o ponto Donatti, também conhecido como longe-longe, perto-perto, onde são realizadas duas passadas com profundidades diferentes, permitindo uma melhor aposição dos planos nos bordos da ferida. Este ponto permite a correta eversão da ferida, facilitando a cicatrização e a hemostasia. Como desvantagem, o Donatti tende a cursar com cicatrização hipertrófica, possuindo menor indicação em áreas de importância estética, como a face. É válido ressaltar, entretanto, que os resultados estéticos da sutura dependem não apenas da técnica escolhida, mas também do tipo de agulha e tamanho do fio utilizado, habilidade do cirurgião, número de pontos e fatores do próprio indivíduo (por exemplo, o próprio ponto Donatti é utilizado por muitos cirurgiões plásticos em procedimentos faciais).

















A remoção da sutura depende do seu local. Suturas faciais devem ser removidas dentro de 5 dias, pescoço 3-4 dias, no couro cabeludo 7 a 10 dias, tronco e braços 7 dias, pernas 8-10 dias. Suturas sujeitas a um grau maior tensão, como as articulações, devem removidas com 14 dias.

Diversos fatores interferem no prognóstico como comorbidades, temperatura, isquemia, dano tecidual e desnervação. As complicações mais comuns da sutura são infecções, deiscência, permanência de corpo estranho, lesão de estrutura profunda e cicatriz são as mais frequentes.

De acordo com o Ministério da Saúde, a profilaxia para tétano está estratificada em feridas de baixo risco ou alto risco (profundas, queimadura ou mordedura). As de baixo risco não necessitam de soro ou imunoglobulina e necessitam de vacina quando a história vacinal é incerta, com menos de 3 doses ou há mais de 10 anos. As feridas de alto risco necessitam de vacina e soro quando a história vacinal é incerta, com menos de 3 doses e somente vacina se a última dose foi há mais de 3 anos em esquema completo (3 doses). Se o paciente for idoso, imunossuprimido ou desnutrido grave é indicado também soro nos casos graves se a última dose foi há mais de 3 anos em esquema completo (3 doses). 

Os antibióticos profiláticos devem ser utilizados em caso de feridas contaminadas, lesões por esmagamento, fraturas abertas, lesões tendíneas, feridas de mordida ou imunossupressão, sendo preferencialmente cefalosporinas de primeira geração e, no caso de fraturas, adicionar um aminoglicosídeo.

Referências

Hollander JE, Singer AJ. Laceration management. Ann Emerg Med. 1999 Sep;34(3):356-67.

- Moy RL, Waldman B, Hein DW. A review of sutures and suturing techniques.J Dermatol Surg Oncol. 1992;18(9):785.

- Todd WT, Derek AB, Gary SS. Basic Laceration Repair. N Engl J Med 2006;355:e18.

- David, L. Closure of skin wounds with sutures. UpToDate. 2011. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/closure-of-minor-skin-wounds-with-sutures>. Acesso 11/01/2017.

- Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/funasa/guia_vig_epi_vol_ll.pdf>. Acesso 11/01/2017.