Tuesday, April 4, 2017

Avaliação e Medidas Iniciais do Paciente Vítima de TCE

Por Annelise Passos Bispo WanderleyMarianna Martini Fischmann

O traumatismo cranio-encefálico tem grande impacto na saúde da população em geral, sendo muito prevalente em jovens. Aproximadamente 60% dos pacientes que sobrevivem a traumas cranianos têm sequelas significativas como déficit motor e cognitivo, trazendo grande impacto socioeconômico e emocional aos pacientes e seus familiares. Dada a sua relevância, é de suma importância o conhecimento e a prática de protocolos de atendimento a vítimas de TCE na emergência médica, visando ao diagnóstico e ao tratamento precoce.

Ao se deparar com qualquer paciente que chegue à sala de emergência, é importante lembrar das medidas necessárias em todos os casos. Todo paciente que não esteja em parada cardio-respiratória precisa de medidas básicas que são, idealmente, realizadas sincronicamente por uma equipe multiprofissional. 

Monitorização, oxigenação (se SpO2 < 92%) e acesso periférico são essenciais em todos os casos. Como estamos tratando de uma vítima de trauma, devemos acrescentar: imobilização cervical e abertura de via aérea. Ainda antes de entrarmos na avaliação propriamente do TCE, devemos avaliar os sinais vitais e as pupilas em busca de anisocoria (a avaliação das pupilas deve se tornar um dado “vital” durante o exame de um paciente traumatizado; a importância deste dado será elucidada mais a frente). Com base nos sinais vitais, traçaremos o plano de ação imediato. É primordial que se compreenda que o paciente hemodinamicamente instável terá seu exame neurológico como segunda prioridade. O paciente em choque poderia ser portador de um choque neurogênico, porém esse diagnóstico é realizado quando verificamos a persistência do choque pós-ressuscitação volêmica, logo, tratar o paciente traumatizado chocado e investigar uma possível hemorragia é sempre acertado. O enfoque da nossa discussão, no entanto, será o paciente sem sinais de instabilidade hemodinâmica. 

Uma vez afastado o choque, devemos classificar o trauma através de um exame neurológico simples: a escala de coma de Glasgow (ECG).

ECG maior ou igual a 13 = TCE leve
ECG 9 a 12 = TCE moderado
ECG menor ou igual a 8 = TCE grave

Pacientes com TCE grave devem ser submetidos à intubação endotraqueal para ventilação, oxigenação e proteção de via aérea baixa. Alguns pacientes têm indicação de neuromonitorização que será guiada pelo protocolo de cada unidade. O paciente deve ser mantido com PaO2 acima de 60mmHg (alguns autores estipulam 80mmHg como meta).

Adotadas estas medidas iniciais, segue-se a avaliação médica sobre indicação do exame de imagem. O exame de imagem é um passo crucial na abordagem do paciente com TCE. É necessário solicitar tomografia computadorizadade crânio(TCC) para todo paciente com história de alteração do nível de consciência, amnésia, cefaléia progressiva, vômitos em jato (vômitos sem pródromos de náusea), convulsões, suspeita de fratura de crânio ou face e para todos os pacientes com TCE moderado ou grave.

Pacientes que não se enquadram nas características descritas, mantendo-se assintomáticos ou com cefaléia leve não progressiva, lacerados, mas que não perderam a consciência, podem ser acompanhados sem exame de imagem.Alguns especialistas sugerem,nestes casos, alta sob supervisão e retorno obrigatório em 24h para reavaliação. Porém, se o retorno não for assegurado (realidade na maioria dos nossos casos), o paciente deve ficar internado por 12-24h para vigilância neurológica.

Diante da vítima de TCE, é necessário o conhecimento sobre manejo da hipertensão intracraniana. Pacientes com HIC ou na iminência desta, se beneficiam da cabeceira elevada a 30-45o. A hipocapnia (PaCO2 25-35mmHg) é uma estratégia terapêutica que objetiva a vasoconstrição cerebral para diminuir a pressão intracerebral (PIC). Alguns estudos demonstraram que a hipocapnia prolongada não beneficia o paciente com TCE. Ela é importante para aqueles que possuem herniação cerebral iminente, portanto há aplicação, mas não devemos manter o paciente em hiperventilação contínua, nem permitir PaCO2 inferior a 25mmHg por risco de vasoconstrição exacerbada e decorrente isquemia cerebral. Perceba que não há indicação de hipocapnia se a hipertensão intracraniana foi afastada. A pressão de perfusão cerebral é a diferença entre a pressão arterial média e a PIC.

PPC = PAM - PIC

O médico deve se esforçar para manter a PAM > 80 mmHg, PIC entre 20 e 25 e PPC > 60mmHg. Para este controle, portanto, é importante a monitorização contínua da PIC. A hipertensão intracraniana influencia na evolução dos pacientes e deve ser identificada pelo emergencista precocemente, sendo a presença do especialista fundamental para a tomada de medidas específicas. Podemos utilizar manitol intravenoso para diminuir a PIC por osmolaridade com atenção à hipotensão que se segue. O uso de dexametasona não é mais indicado no manejo deste paciente. PIC sustentada de 20-30 é considerada hipertensão leve, 30-40 moderada e pressões > 40 configuram HIC grave.  

A sedação e a analgesia não são medidas prescindíveis neste contexto. A dor, mesmo no paciente em coma, pode levar ao aumento da PIC. Apesar de pouco utilizada, a sedação induzida pelos barbitúricos continua sendo uma opção terapêutica em quadro de PIC refratária, no entanto, devemos ter cuidado com os efeitos colaterais dessa classe e preferir as drogas com menor tempo de meia-vida. Quadros convulsivos, segundo orientações mais recentes, devem ser tratados com fenitoína e não se recomenda o uso profilático dessa droga. 

É importante também evitar hipertermia como medida neuroprotetora, realizar um controle intensivo da glicemia (valores > 200mg/dL aumentam morbimortalidade do paciente neurocrítico) e evitar hipernatremia (causa de edema cerebral). 

Observe o fluxograma com a síntese do que foi discutido até aqui:

























Fraturas

Fratura de base de crânio tem sinais claros e que devem ser rapidamente identificados. São eles: rinorreia, otorreia, hemotímpano, disfunção do VII NC, disfunção do VIII NC, disfunção do I NC, equimose periorbitária (olhos de guaxinim) e retroauricular (Sinal de Battle). Fraturas de base assintomáticas (diagnóstico confirmado pela TCC) não exigem tratamento específico. Tratamento de escolha é a elevação da cabeceira da cama por vários dias.

Fraturas da calota craniana podem ser visualizadas na TCC e devem ser submetidas à craniectomia se a fratura tiver depressão com espessura superior à espessura da calota. As fraturas geralmente exigem desbridamento cirúrgico e devem ser avaliadas por especialista. 

Fraturas fechadas de calota não exigem nenhum manejo cirúrgico.

Lesões Intracranianas

Lesões Intracranianas Difusas

Concussão cursa com distúrbio de consciência com confusão, desorientação, às vezes amnésia retrograda ou anterógrada nos casos leves. Na concussão clássica há perda de consciência breve (<6h) e reversível, amnésia, náuseas e mal-estar geral.

Lesão axonal difusa ocorre secundário à aceleração rotacional da cabeça, lesando principalmente estruturas inter-hemisféricas como corpo caloso, porção rostral e tronco encefálico. Cursa com coma que dura > 6h. Na TCCexclui-se hematomas e HIC como causas do coma e em 50% dos casos são observados pontos hemorrágicos discretos ditos clássicos da LAD. O tratamento é de suporte.

Lesões Focais

Hematomas epidurais cursam frequentemente com intervalo lúcido, requerem abordagem cirúrgica caso o volume seja maior ou igual a 30 ml, espessura maior ou igual a 15 mm, desvio da linha media maior ou igual a 5mm além de coma, déficit neurológico focal ou anisocoria. Se localizam geralmente na região temporal e temporo-parietal (duramáter menos aderida ao pericrânio). NaTCC vemos uma imagem biconvexa.  Cursa com perda de consciência seguida de melhora (intervalo lúcido) e piora súbita com midríase homolateral, paresia dos membros contralaterais em 60% dos casos.Repetir a TC em até 8h nos pacientes tratados   conservadoramente para hematoma epidural.

Hematomas subdurais tipicamente ocorrem em idosos, alcoólatras e usuários de anticoagulantes, mais frequentemente ocorremna região frontotemporoparietal. Tem curso mais grave: há alteração do nível, déficits localizados, anisocoria, posturas patológicas e arritmia respiratória. O efeito de massa desse hematoma pode gerar um quadro de HIC. Com aparecimento da tríade de Cushing (bradipneia, bradicardia e hipertensão) e potencialmente herniação transtentorial. Imagem na TCC é “em crescente”. É necessário uma abordagem cirúrgica se  o hematoma for maior ou igual a 10mm, desvio de linha media maior ou igual a 5 mm, sinais de herniação, anisocoria, deterioração neurológica.

Perceba que coma aqui não é indicação por si só de abordagem cirúrgica. Se o paciente for tratado com conduta conservadora, acompanhar a PIC é uma medida indispensável. Deve-se também fazer exame neurológico e tomografias seriadas.

Tríade de Cushing:
Bradipneia
Bradicardia
Hipertensão

Contusões e hematomas intracerebrais são lesões focais muito comuns que podem estar associadas a hematoma subdural. As contusões podem expandir,gerando o hematoma intracerebral, cujo tratamento é craniectomia.  A clínica é parecida com a de AVE isquêmico.

O TCE é uma situação muito prevalente no cotidiano do médico emergencista, responsável por altas taxas de morbidade e mortalidade. O manejo dos pacientes com TCE, principalmente em casos graves, é complexo e exige atenção da equipe durante o seu tratamento. Assim, as condutas devem ser analisadas, com a finalidade de escolher a mais adequada para reduzir ao máximo as sequelas do trauma craniano, melhorando a sobrevida e a qualidade de vida do paciente. 

Referências

1- Dantas Filho VP. Fatores que influenciaram a evolução de 206 pacientes com traumatismo craniencefálico grave Arq. Neuro-Psiquiatr. vol.62 no. 2a São Paulo, 2004.

2- Gentile JKA. Condutas no paciente com trauma crânioencefálico. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2011 jan-fev;9(1):74-82.

3- Abreu MO. Manuseio da ventilação mecânica no trauma cranioencefálico: hiperventilação e pressão positiva expiratória final. Rev Bras Ter Intensiva. 2009; 21(1):72-79.

4- Martins HS. Medicina de Emergência. Abordagem Prática. 11ª Ed. São Paulo. Manole, 2015. 

5- Helmy A, Vizcaychipi M, Gupta AK. Traumatic brain injury: intensive care management. Br J Anaesth 2007;99(1):32-42.

6- Horton WB. Subauste, JS. Top 10 Facts to Know About Inpatient Glycemic Control. Am J Med, Vol 129, No 2, 2016.