Por Flávio de Oliveira Mendes e Marianna Martini Fischmann
A obtenção de acesso venoso central no setor de emergência e no setor de terapia intensiva é um procedimento corriqueiro e fundamental para diversas terapêuticas, possuindo diversas indicações (tabela 1), porém é eventualmente difícil e seguido de complicações (tabela 2). Três são os sítios formalmente indicados para a punção, a Veia Jugular Interna, a Veia Subclávia e a Veia Femoral, sendo esta última a menos indicada pela maior taxa de complicações.
Diversas são as causas de complicações desse procedimento, sendo descritos fatores relacionados ao paciente e fatores relacionados ao operador (tabela 3). A “Ausência do uso da ultrassonografia” ganha destaque, pois, pelo menos duas metanálises e diversos ensaios clínicos randomizados, como o Sonography Outcomes Assessment Program (SOAP), destacaram que o uso da ultrassonografia durante o acesso venoso central está associado a um menor índice de complicações, um menor número de tentativas, um menor tempo de duração do procedimento e um menor índice de falha quando comparado à abordagem às cegas (baseada em referenciais anatômicos).
Graças a tantos estudos e tanta evidência científica (tabelas 4, 5 e 6), diversas instituições apoiam o uso da ultrassonografia nos procedimentos de punção venosa central, como a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e o National Institute for Clinical Excellence (NICE), com destaque para o sítio jugular interno, local onde há evidências científicas mais robustas do benefício gerado, motivo pelo qual é destacado a seguir sua técnica de punção.
Acesso Venoso de Jugular Interna
Três técnicas de punção da veia jugular interna são descritas: a punção às cegas, e as punções estática e dinâmica com o auxílio do ultrassom (comparadas na tabela 7). A técnica estática via ultrassom é utilizada com a intenção de verificar o posicionamento da veia, confirmar sua patência e marcar o exato local a ser puncionado, o ultrassom não é utilizado durante todo o procedimento. A técnica dinâmica (que será destacada a seguir), por outro lado, permite a visualização da veia o tempo todo, sendo necessário um campo estéril também para a sonda do ultrassom.
O transdutor de escolha para o procedimento é o linear, de alta frequência (5 a 12 MHz) (Figura 1), já que ele possibilita uma boa resolução nos tecidos superficiais e facilita ainda a compressão dos vasos (Figura 2 e 3), facilitando a diferenciação entre artéria e veia. Os corretos ajustes de imagem são fundamentais para uma boa visualização das estruturas de interesse, a profundidade e o ganho são os principais itens que podem ser regulados, sendo este último a intensidade do brilho na tela, na escala do cinza.
Todo acesso venoso central é realizado com técnica estéril, assim, o transdutor do ultrassom deve ser coberto por barreiras de plástico também estéreis, sejam barreiras comercializadas exclusivamente para transdutores de ultrassom ou adaptadas, como luvas estéreis ou capas para videolaparoscopia. Gel condutor deve ser inicialmente aplicado na superfície do transdutor que é coberto em seguida pela superfície estéril disponível. A formação de bolhas entre o gel e a capa estéril deve ser evitada, pois o ar pode diminuir a qualidade da imagem. Substância condutora estéril (gel, povidine-iodine degermante ou água) deve ser utilizada ainda entre o transdutor já coberto e a pele do paciente.
Ao iniciar o procedimento, as referências anatômicas podem ser utilizadas como norte inicial para a colocação do transdutor. Vasos (sejam artérias ou veias) serão visualizados como estruturas tubulares anecoicas (pretas), sendo as veias totalmente compressíveis (na ausência de trombos), com paredes finas, formato oval (Figuras 2 e 3), com aumento de diâmetro com manobra de Valsalva e posição de Trendelemburg e sem pulsação arterial. O modo Doppler (color Doppler) pode ainda ajudar identificando o sentido do fluxo sanguíneo, a cor azul indica um fluxo que se distancia do transdutor enquanto o vermelho um fluxo que se aproxima.
A técnica dinâmica de punção via ultrassom pode ser realizada em corte transversal à veia ou em corte longitudinal. Se transversal, a veia deve ser visualizada no centro da imagem, deve ser observada a profundidade da veia (no monitor há uma régua para a medida), ou seja, a distância entre o seu centro e a pele, a agulha deve ser introduzida com uma angulação de 45° em um ponto equidistante, em uma extensão de aproximadamente 1,4 vezes a profundidade. Por exemplo, caso a veia diste 1,5 cm da pele, a punção deverá ser realizada a 1,5 cm do transdutor, introduzindo 2,1 cm da agulha em um ângulo de 45° com a pele. O feixe de ultrassonografia também fará uma secção transversa da agulha, por isso, frequentemente ela será visualizada como um ponto branco brilhante (hiperecoico). Após observar-se o refluxo de sangue na agulha, deixa-se o transdutor sobre o campo estéril e o procedimento transcorre normalmente.
Se o examinador optar pela técnica dinâmica longitudinal, é indicado que se inicie o procedimento no corte transversal e ao identificar a veia, obtenha o corte longitudinal, girando o transdutor progressivamente, até observar o vaso ao longo do seu maior eixo. O transdutor deve ser posicionado no local onde se observa o maior diâmetro da veia, neste ponto a agulha será introduzida no mesmo eixo do transdutor, próxima a ele, formando um ângulo de 30°, pois dessa maneira a agulha será visualizada em toda sua trajetória até a veia, inclusive podendo ser utilizada ainda para acompanhar a progressão do fio-guia. Os demais passos são semelhantes à técnica às cegas.
A técnica dinâmica longitudinal apresenta maior dificuldade de execução, pois exige um controle mais fino da posição do transdutor e não possibilita a visualização simultânea da artéria, além de dificultar a visualização da trajetória laterolateral da agulha.
Conclui-se que a opção pela utilização da ultrassonografia no auxílio às punções venosas centrais são indicadas e devem ser estimuladas não apenas para as punções difíceis, mas para toda prática diária de médicos emergencistas e intensivistas.
Referências
- Emergências clínicas : abordagem prática / Herlon Saraiva Martins…[et al.]. — 10. ed. rev. e atual. — Barueri, SP : Manole, 2015.
- Ultrassonografia à beira do leito na medicina clínica – Alexander B. Levitow, Apostoles P. Dallas, Anthony D. Slonim; – Dados – Porto Alegre: AMGH, 2013.
- Manual da residência de medicina intensiva; Andréa Remigio de Oliveira … {et ai.] . – 4. ed. rev. e ampl. – Barueri, SP Manole.2013.
- Agency for Healthcare Research and Quality. Making health care safer: a critical analysis of patient safety practices. 2001.[cited 2010 Sep 21]. Available at: http://www.ahrq.gov/clinic/ptsafety/.
- National Institute for Clinical Excellence. Guidance on the use of ultrasound locating devices for placing central venous catheters. London: NICE, 2002. [NICE Technology Appraisal No 49].
- Milling TJ Jr, Rose J, Briggs WM, Birkhahn R, Gaeta TJ, Bove JJ, Melniker LA. Randomized, controlled clinical trial of pointof- care limited ultrasonography assistance of central venous cannulation: the Third Sonography Outcomes Assessment Program (SOAP-3) Trial. Crit Care Med. 2005;33(8):1764-9.
- Acesso venoso central guiado por ultrassom: qual a evidência?; Dexheimer Neto F.L., Teixeira C., Oliveira R.P.; Rev Bras Ter Intensiva. 2011; 23(2):217-221.