Wednesday, February 15, 2017

Cricotireoidostomia na Sala de Emergência

Por  Luciana Thurler Tedeschi e Ronielly Pereira Bozzi

A cricotireoidostomia é um recurso para o alívio de vias aéreas no paciente com insuficiência respiratória aguda. Contudo, não é a primeira opção, sendo reservada para os casos em que a intubação é difícil e outros meios de ventilar o paciente tenham falhado. O pescoço e o terço médio da face são áreas comuns de lesões traumáticas e, portanto, a desobstrução das vias apresenta-se como uma cirurgia frequente, permitindo reestabelecer a ventilação.

Classicamente, o procedimento é feito através de uma técnica cirúrgica, em que se faz uma incisão através da pele na topografia da membrana cricotireóidea, outra através da membrana, acessando a luz traqueal. Seguidamente se introduz o tubo endotraqueal, para permitir a ventilação adequada do paciente. Tudo deve ser feito em sala de emergência, uma vez que o risco de morte é eminente. Se for necessário permanecer com a via aérea invasiva por mais que 3 a 5 dias,com a estabilização do paciente, pode-se programar uma traqueostomia eletiva a fim de substituir a cricotireoidostomia. A traqueostomia de emergência, porém, não é superior à cricotireoidostomia, visto que as complicações na traqueostomia de emergência são maiores. A traqueostomia de emergência apresenta 5 vezes mais riscos que a traqueostomia eletiva.

São raras as situações em que se esgotam as possibilidades de ventilar o paciente com insuficiência respiratória aguda. Assim, a cricotireoidostomia é uma intervenção infrequente, o que faz muitos médicos desconhecerem as várias técnicas de emprego da mesma. Manter o conhecimento prático do procedimento tem sido um desafio.

Uma grande vantagem da cricotireoidostomia é o fato da membrana cricotireóidea ser bem superficial, de modo que não é preciso uma dissecção elaborada para acessar a via aérea. Isso garante maior velocidade na execução do procedimento e evita lesões de estruturas mediastinais, traquéia e esôfago.

Tem por indicação a necessidade de alívio emergencial da via aérea em paciente em que não foi possível realizar a intubação. As situações que potencialmente inviabilizam a intubação, sendo necessária a realização da cricotireoidostomia são: traumas faciais graves; hematoma cervical extenso que obstrui via aérea; paralisia de cordas vocais em adução; trismo;obstrução da glote; queimadura de via aérea ou alergia que evoluiu com edema.

É contra-indicado em crianças menores de 12 anos, infecção de laringe, trauma e tumores de laringe. Também é absolutamente contra-indicado quando há possibilidade de realizar seguramente a intubação endotraqueal, quando há transecção da traquéia com retração distal lesão grave das cartilagens da laringe (principalmente a cartilagem cricoide).

Uma grande risco do procedimento é a lesão da porção da laringe que se localiza logo abaixo da glote. Esse tipo de lesão tem forte associação com o tempo de permanência da cânula. Outras complicações do procedimentos são: hematoma, aspiração de sangue, lesão de corda vocal, estenose de laringe, estenose subglótica, enfisema subcutâneo, lesão de esôfago e de traquéia posterior.

Há duas técnicas básicas para a cricotireoidostomia: por punção e a técnica cirúrgica. Estudos mostram que a técnica por punção, feita por profissional treinado, dura cerca de 30 segundos.

Técnica por Punção

O procedimento é realizado com um jelco 12 ou 13 conectado a uma seringa de 3 mL. Também será necessária a peça que conecta o tubo endotraqueal de tamanho 8,5 ou 9 ao dispositivo bolsa-valva máscara, para fazer uma adaptação na seringa. A punção é realizada na linha média, sobre a membrana cricotireoidea, após a assepsia do campo. O jelco é introduzido em uma angulação de 45º em sentido caudal. Sempre deve-se puncionar aspirando a seringa para certificar-se de que não atingiu algum vaso sanguíneo, até aspirar o ar, o que indica que atingiu a luz das vias aéreas.

Devido ao pequeno tamanho da agulha, ao se comparar à incisão cirúrgica, as possibilidades de complicações são ainda menores e é um procedimento mais rápido, havendo menor incidência de hemorragias que em outras técnicas de cricotireoidostomia. Pode ser facilitada pelo uso da ultrassonografia em casos graves como hematoma, edema e dificuldades anatômicas. Entretanto, a abertura é muito pequena, o que não permite uma ventilação com baixa pressão, devido a alta resistência ao fluxo de ar. Além disso, essa técnica não isola a via aérea, portanto não garante a proteção contra broncoaspiração de conteúdo gástrico, qualquer secreção ou corpo estranho que atingir as vias aéreas. A técnica cirurgia é preferível nos casos em que é necessário isolar as vias aéreas.

Técnica Cirúrgica

Após a assepsia do campo, realiza-se uma incisão vertical de 3-5 cm na pele e subcutâneo, na linha média e topografia da cartilagem cricotireoidea. Ao acessar a membrana, realiza-se uma incisão horizontal com cerca de 1 cm. Dilata-se o orifício criado e segue-se com o encaixe da cânula e enchimento do cuff.

A técnica cirúrgica tem a vantagem de isolar a via aérea, protegendo de possíveis broncoaspirações, porém vale ressaltar que a cricotireoidostomia, mesmo que cirúrgica, não é garantia de via aérea avançada invasiva de longo prazo. Uma desvantagem dessa técnica é a necessidade de mais tempo para ser executada.

Referências

- Bighett, A. M., and R. C. M. Mamede. “Cricotireoidostomia: desenvolvimento de um novo instrumento cirúrgico.” Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço 35.2 (2006): 94-101.

- Cricothyroidotomy. The New EnglandJournalof Medicine [0028-4793] yr:2008 vol:359 iss:10 pg:1073 -1074.

- MacIntyre A, Markarian MK, Carrison D, Coates J, Kuhls D, Fildes JJ. Three-stepemergencycricothyroidotomy. Mil Med2007;172:1228-30.

- Mary Jo Wright, David E. Greenberg, John P. Hunt, Atul K. Madan and Norman E. McSwain, Jr. Surgical cricothyroidotomy in trauma patients. Southern Medical Journal. 96.5 (May 2003): p465.

- Ashley Anders Schroeder, MD, LCDR, MC, USNR. Cricothyroidotomy: When, Why, and Why Not? American Journal of Otolaryngology, Vo121, No 3 (May-June), 2000: pp 195-201.

- Langvad, Sofie, et al. “Emergency cricothyrotomy–a systematic review.”Scand J Trauma Resusc Emerg Med 21.43 (2013): 31.

- Gregory Katos, David Goldenberg. Emergency cricothyrotomy. Operative Techniques in Otolaryngology-Head and Neck Surgery, Volume 18, Issue 2, June 2007, Pages 110–114.