Por Annelise Passos Bispos Wanderley e Luiz Paulo Junqueira Rigolon
A fibrilação atrial (FA) é uma condição descrita há muito tempo na literatura médica, sendo muito comum na prática médica e nas emergências. É classificada como uma taquiarritmia supraventricular, ocasionando uma completa desorganização elétrica do átrio, fato que impede o acontecimento da sístole atrial. No eletrocardiograma (ECG), a fibrilação atrial é identificada por uma ausência de onda P, porém com atividade atrial grosseira numa frequência de 400 a 600 por minuto (chamadas de ondas f) além do complexo QRS estreito e irregular. O nó atrioventricular é responsável por proteger os ventrículos da elevada frequência atrial, permitindo a passagem somente de alguns potenciais elétricos, tal processo não ocorre de maneira regular, uma vez que não há um ciclo regular de chegada de estímulos ao nó atrioventricular, gerando consequentemente o ritmo irregular da FA observado ao ECG.
A publicação de estudos recentes sobre o tema, como o uso dos novos anticoagulantes orais (NACO), ablação por radiofrequência e outras evidências científicas dentro do manejo da FA, fizeram a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publicar uma nova diretriz sobre essa condição comum na prática clínica.
A FA é a arritmia sustentada mais comum, com uma estimativa de prevalência de 0,5 a 1% na população geral, embora esses números possam estar subestimados, uma vez que há muitos casos assintomáticos. A FA é mais encontrada em pessoas idosas e por isso vem aumentando sua prevalência progressivamente de acordo com o envelhecimento da população. Os homens são mais suscetíveis a desenvolver tal arritmia, no entanto há mais mulheres acometidas, fato que pode ser explicado pela maior sobrevida desse sexo. Essa taquiarritmia é um problema de saúde pública. Isso porque tem potencial para graves repercussões clínicas, como os fenômenos tromboembólicos de alta morbimortalidade.
Na FA ocorre uma propagação anormal dos estímulos elétricos devido à anormalidade eletrofisiológica que afeta o átrio. Diversos fatores de risco são associados ao aumento de risco da FA, alguns deles são: hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes, doença valvar, insuficiência cardíaca (IC), infarto agudo do miocárdio, apneia obstrutiva do sono, obesidade, ingestão de bebidas alcoólicas, atividade física, fatores genéticos e história familiar. Tal enfermidade pode ser classificada de acordo com sua forma clínica como paroxística, persistente e permanente (tabela 1).
Existem diversos estudos associando FA e o risco de acidentes vasculares encefálicos (AVE), tanto de origem isquêmica como de hemorrágica, e mortalidade. FA e IC são entidades concomitantes em um número elevado de pacientes, e o aparecimento de FA em pacientes portadores de IC eleva o risco de morte em até 2 vezes. Por fim, as mulheres possuem uma maior susceptibilidade ao desenvolvimento de fenômenos tromboembólicos e mortalidade do que os homens.
O tratamento da FA é sobremaneira individualizado e as opções devem ser sempre discutidas com o paciente. É importante ter em mente as recomendações das diretrizes nacionais e internacionais sobre cada caso. Existem duas abordagens possíveis que serão realizadas de acordo com o paciente.
Nos casos de pacientes que sejam: sintomáticos , jovens, FA isolada, FA secundária a fator tratado ou ainda portador de IC, deve-se reverter a FA com CVQ ou CVE (após observado o fluxograma A) e controlar o ritmo com antiarrítmico. A anticoagulação deve ser feita de acordo com o risco que será discutido mais a frente. Os pacientes que não se enquadrem em nenhuma das situações descritas devem ter apenas controlada sua FC e receber anticoagulação de acordo com o risco.
No controle da FC pode ser utilizado beta bloqueadores (esmolol, propranolol e metoprolol foram altamente efetivos par controle da FC nos estudos), bloqueadores de canal de cálcio não diidropiridínicos e os também usados como antiarritimicos, amiodarona e sotalol.
Os antiarrítmicos têm sido amplamente estudados por formarem um dos pilares do tratamento da FA persistente naquele paciente previamente discutido com indicação de cardioversão. A escolha do antiarrítmico a ser indicado deve levar em consideração a classe do medicamento (farmacocinética), as comorbidades do paciente, os efeitos colaterais do fármaco e, na nossa realidade, a sua disponibilidade no mercado. Os antiarritmicos recomendados para pacientes sem doença estrutural é a Propafenona. Equanto nos pacientes com doença estrutural é preferível utilizar Amiodarona para pacientes com IC ou Sotalol para aqueles com insuficiência coronariana. Esses fármacos foram estudados e possuem evidência científica de OR < 1 para desfechos desfavoráveis. É contra-indicado utilizar Propafenona em pacientes com cardiopatia!
Existe também a ablação do nodo atrioventricular recentemente sistematizada como terapia para FA. As indicações para essa intervenção são: FA refratária gerando terapias inapropriadas do cardioversordesfibrilador implantável (CDI); FA em pacientes ressincronizados; FA refratária em pacientes jovens sintomáticos.
Finalmente, outro importante aspecto da terapêutica dos pacientes com FA: a anticoagulação. O grande risco relacionado à FA é a possibilidade de formação de trombo e o episódio de um acidente vascular encefálico (AVC) cardioembólico. Nesse sentido foram desenvolvidos algoritmos de avaliação do risco para AVC, assim os pacientes com alto risco são identificados e o uso de anticoagulantes orais (ACO) se impõe. Estudiosos desenvolveram dois escores importantes para uma melhor abordagem do paciente. O CHA2DS2VASc e o HASBLED (tabelas 2 e 3).
Nos estudos realizados foi visto que paciente com IC, HAS, mais de 65 anos, sobretudo mais de 75 anos, diabetes mellitus, AVC prévio, doença vascular, e ainda, do sexo feminino, são pacientes com maios risco de desenvolver um AVC. Paciente com escore CHA2DS2VASc de 0 são de muito baixo risco e por isso não requerem ACO. CHA2DS2VASc de 1 não tem indicação formal de ACO, mas podem receber de acordo com o médico e com o paciente. Já para os pacientes CHA2DS2VASc maior ou igual a 2 a ACO é mandatória.
Por outro lado, alguns pacientes apresentam alto risco de sangramento e por isso a indicação de ACO deve ser meticulosa. No HASBLED são avaliados pacientes hipertensos, com anormalidade de função renal ou hepática, AVC prévio, predisposição a sangramento, labilidade de INR, idade > 65 anos e uso de drogas e/ou álcool. HASBLED > 3 indica risco de hemorragia. Veja que em muitas situações a indicação e a contra-indicação do ACO se sobrepõe e a decisão será feita pela equipe assistente após ponderação do caso.
A anticoagulação pode ser feita com diferentes fármacos. Além dos antagonistas de vitamina K, já amplamente utilizados, surgiram recentemente os NACO que são inibidores do fator IIa/trombina (Dabigatran) e os inibidores diretos do fator Xa (Rivaroxaban, Apixaban, Edoxabana). Em relação à varfarina, os NACO apresentam a vantagem de não exigirem um controle constante do INR com a mesma ação anticoagulante e fator de segurança. No entanto, os NACO são contra-indicados em pacientes com insuficiência renal e não são seguros em pacientes portadores de valvulopatias. Portanto, neste caso é utilizada a varfarina como ACO.
Existem ainda terapias especiais para casos difíceis como paciente de alto risco tromembólico e contra-indicação importante ao uso de ACO. Para esses casos deve ser considerada a oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo que deve ser indicada e orientada por um especialista.
Esses aspectos discutidos são os principais passos da terapia de um paciente com FA e são de fundamental importância para o médico generalista, portanto, nosso objetivo foi trazer o manejo da FA atualizado pelos últimos estudos publicados e recentemente assimilado pela SBC nas II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial publicada em Abril deste ano.
Referências
- Magalhães LP, Figueiredo MJO, Cintra FD, Saad EB, Kuniyishi RR, Teixeira RA, et al. II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol 2016; 106(4Supl.2):1-22
- Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, e cols. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol 2009;92(6 supl.1):1-39
- January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary: a Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104.
- http://www.acc.org/latest-in-cardiology/articles/2014/07/18/11/38/which-risk-score-best-predicts-bleeding-with-warfarin-in-atrial-fibrillation