INTRODUÇÃO
Cefaleia
é uma queixa frequente em departamento de emergência, sendo necessária uma
minuciosa história e exame físico na busca de sua causa. Ela pode ocorrer por tração, tensão,
distensão, dilatação ou inflamação de estruturas sensíveis a dor. Vale ressaltar
que o cérebro não possui fibras dolorosas, sendo insensível a dor. As cefaleias
são divididas em primárias, quando não está evidente uma causa anatômica, e em
secundárias, quando se encontra um fator causal. Nesse artigo serão abordadas
as cefaleias primárias, que são mais frequentes na sala de emergência.
CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS – SOCIEDADE INTERNACIONAL DE CEFALEIA
Cefaleias Primárias:
a. Migrânea;
b. Cefaleia
do tipo tensional;
c. Cefaleia
em salvas e outras cefaleias autonômicas trigeminais;
d. Outras
cefaleias primárias: cefaleias diversas não associadas a lesão estrutural;
ACHADOS CLÍNICOS
A
característica mais marcante das cefaleias primárias é sua recorrência e estereotipia na apresentação clínica, o que
geralmente não acontece com as cefaleias secundárias. Isso ocorre de forma tão
consistente que critérios diagnósticos baseados em características clínicas
puderam ser estabelecidos.
Critérios diagnósticos de cefaleias primárias em adultos de utilidade
no departamento de emergência
- Migrânea
- Pelo menos cinco crises preenchendo os critérios B-D
- Crise de cefaleia durante 4 a 72 horas.
- A cefaleia tem no mínimo duas das seguintes características
- Localização unilateral
- Qualidade pulsátil
- Intensidade moderada ou forte (limitando ou impedindo atividades diárias
- Agravamento por subir degraus ou atividade física
- Durante a cefaleia há no mínimo um dos seguintes sintomas:
- Náuseas e/ vômitos
- Fotofobia ou fonofobia
- Não há uma causa secundária atribuível a cefaleia.
- Cefaleia em salvas e outras cefaleias autonômicas trigeminais
- Pelo menos cinco crises preenchendo B-D
- Crises intensas de dor unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durante 15-180 min se não tratada
- A cefaleia é associada com pelo menos um dos seguintes sinais:
- Injeção conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilateral
- Congestão nasal e/ou rinorreia ipsilateral
- Edema palpebral ipsilateral
- Sudorese da fronte e da face ipsilateral
- Miose e/ou ptose ipsilateral
- Sensação de inquietação ou agitação
- A frequência das crises varia de uma em dias alternados até oito crises por dia.
- Não é atribuída a outra desordem.
O padrão temporal da cefaleia é
de grande importância e inclui:
- Cefaleia aguda emergente: o paciente apresenta-se com um dor nova ou francamente diferente das anteriores. Deve-se sempre pensar em um diagnóstico secundário;
- Cefaleia aguda recorrente: recorrência e estereotipia da apresentação clínica são as características mais marcantes das cefaleias primárias. Na maioria das vezes indica benignidade;
- Cefaleia crônica progressiva: padrão mais raramente encontrado, em geral se associa a cefaleias secundárias, devendo-se sempre investigar;
- Cefaleia crônica não progressiva: nesse grupo estão aqueles com a chamada cefaleia crônica diária. Caracteriza-se por dores mais de quinze dias por mês, por pelo menos três meses ou 180 dias por ano. Mais comumente esse padrão é encontrado em paciente com histórias pregressa de migrânea ou cefaleia do tipo tensional episódica. Na unidade de emergência, o paciente é medicado para crise de exacerbação e recebe a prescrição de um analgésico ou anti-inflamatório.
ASPECTOS
FUNDAMENTAIS DO EXAME FÍSICO
·
Pressão arterial: Hipertensão arterial crônica,
leve e moderada, não causa cefaléia, que pode ocorrer, no entanto, em vigência
de picos hipertensivos e de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia.
· Temperatura: infecções não cefálicas
(sistêmicas) são causa importante de cefaléia, em especial nas faixas etárias
extremas.
· Palpação do crânio (pontos dolorosos,
musculatura cervical, globos oculares, articulação temporomandibular (ATM),
têmporas, seios da face). Importantes para diagnóstico de arterites, cefaléia
cervicogênica e de outras patologias.
· Percussão dos seios da face.
· Ausculta de carótidas e globos oculares
(sopros).
· Cavidade oral. Periodontite ou pericoronite são
causas de dores irradiadas.
· Otoscopia e percussão da mastóide.
Fundo de olho e sinais meníngeos.
EXAMES COMPLEMENTARES
Pacientes
que preencham critérios para cefaleias primárias e que tenham exame clínico e
neurológico normais não necessitam de
investigação complementar.
Exceção a essa regra são aqueles pacientes que
tenham algum sinal de alerta ou algum aspecto atípico na apresentação clínica,
como aura de migrânea prolongada e aura atípica.
Indicações para coleta de líquor:Cefaleia de início súbito com TC de crânio normal;Cefaleia acompanhada de sinais de infecção meníngea;Suspeita de sangramento ou de processo inflamatório.
PIOR CEFALEIA DA VIDA OU CEFALEIA DE INÍCIO SÚBITO
A
possibilidade é de hemorragia
subaracnóidea. Dentre os sinais e sintomas que podem estar presentes estão
náuseas e vômitos (74%), perda transitória da consciência (53%), rigidez nucal
(35%) e outros, como rebaixamento do nível de consciência, sinais piramidais,
paresia de nervos cranianos, crise epiléptica e hemorragia sub-hialoidea ao
fundo de olho. Outras doenças podem
manifestar-se clinicamente como cefaleia súbita, como hemorragias
intraparenquimatosas, hidrocefalia aguda, meningoencefalites, apoplexia
pituitária, trombose venosa cerebral.
A
investigação consiste na realização de uma TC
de crânio sem contraste, cuja positividade na hemorragia subaracnoideia é
de mais de 90% no primeiro dia de sangramento e praticamente zero de duas a
três semanas após o ictus. Nos casos em que a TC é normal ou inconclusiva,
faz-se necessária a realização da punção liquórica, procurando sinais de
sangramento.
NOVA CEFALEIA APÓS 50 ANOS DE IDADE
As
cefaleias primárias raramente se iniciam após os cinquenta anos. No grupo de
cefaleias secundárias que se iniciam nessa época encontramos como principais
causas: tumores intracranianos, hematoma subdural, doença cerebrovascular,
arterite de células gigantes e neuralgias.
A
cefaleia descrita para tumores cerebrais é lentamente progressiva, de
predomínio matinal e que melhora após o vômito. Um diagnóstico importante no
idoso é o hematoma subdural crônico. Outra situação que é praticamente
exclusiva do idoso é a arterite de células gigantes (arterite temporal).
TRATAMENTO DA MIGRÂNEA
No tratamento da migrânea
deve-se, de preferência, escolher medicações de administração parenteral, não
só pela rapidez de ação, como pela presença frequente de vômitos e náuseas. A
terapia aguda inclui:
- · Triptano;
- · Ergotamina intravenosa com antiemético;
- · Aspirina ou paracetamol junto com cafeína;
- · Ibuprofeno, naproxeno.
Os
triptanos são específicos para o tratamento da dor na migrânea, pois atuam como
agonistas superseletivos dos receptores serotonérgicos do sistema
trigeminovascular, sendo a principal droga o sumatriptano, que pode ser aplicado subcutâneo de 6 a 12 mg/dia. As
principais contraindicações são: gravidez, doenças coronarianas, insuficiência
vascular periférica e hipertensão arterial grave.
A
preferência no grupo dos analgésicos não anti-inflamatórios é a dipirona IV, 1 a 2 g. Quando a migrânea
se manifesta com vômitos, o uso da metoclopramida por aliviar esse desconforto.
A dose é de 10 mg IM/IV. A administração IV deve ser lenta, podendo desencadear
reações extrapiramidais agudas. A maioria dos AINHs é efetiva na migrânea, pois
reduz a inflamação neurogênica perivascular.
Pode-se
usar naproxeno 250/500 mg via oral de 8/8 a 12/12 horas ou ibuprofeno de 600 a
1200 via oral de 8/8 horas a 6/6 horas. As contraindicações dos AINHs incluem:
alergia conhecida, úlcera péptica e doença renal. Deve-se evitar seu uso em
hipertensos e idosos.
A
dexametasona na dose de 4 a 10 mg IV também é útil na crise aguda da migrânea;
seu uso é quase obrigatório no estado de mal migranoso. Não se recomenda o uso
de rotina de opioides pela sua facilidade de dependência, mas em situações
especiais, quando outras medidas tiverem falhado ou por intolerância ou
contraindicação aos outros medicamentos pode-se usar: tramadol 50 a 100 mg IV,
IM, ou VO, até de 6/6 horas.
TRATAMENTO DA CEFALEIA CRÔNICA DIÁRIA
Mais
de 80% dos portadores de CCD apresentam o problema do abuso de analgésicos e/ou
ergotamínicos e também abuso de cafeína. O primeiro passo é a desintoxicação da
medicação em abuso, o que requer suspensão imediata para bloquear o efeito de rebote.
Podemos usar como medicação de
resgaste: AINHs, corticoide por alguns dias, sumatriptano, naratriptano, DHE,
clorpromazina e clonidina transdérmica em patches em caso de dependências de
opiáceos. Deve ser iniciada rapidamente a medicação profilática e o suporte
psicológico e psiquiátrico.
TRATAMENTO DA CEFALEIA EM SALVAS
A
cefaleia em salvas tem a característica de ser uma das dores mais atrozes
percebidas pelo ser humano. De um modo geral, o diagnóstico é fácil, mesmo no
primeiro episódio, pelo quadro clínico típico, como a intensidade e
unilateralidade da dor a curta duração dos ataques e a presença de alterações
autonômicas na crise. Analgésicos comuns
e opiáceos não funcionam e não devem ser prescritos. Os métodos utilizados no
tratamento abortivo da dor são:
- · Oxigênio: inalação de O2 100%, com fluxo de 5/7 L por min.
- · Sumatriptano via subcutânea, de 6 a 12 mg.
- · Ergotamínicos: como a crise é curta, dá-se preferência ao DHE 0,5 a 1 mg por via EV.
- · Lidocaína intranasal: o efeito se deveria ao bloqueio anestésico do gânglio esfenopalatino, o que reduziria a realimentação aferente sobre o sistema trigeminovascular.
- · Em casos rebeldes podem ser administrados corcosteroides por via EV (dexametasona 8 a 12 mg EV).
TRATAMENTO DAS
CEFALEIAS SECUNDÁRIAS
A dor nas cefaleias secundárias pode ser tratada com esquemas analgésicos comuns:
pode-se utilizar analgésicos simples (aspirina, dipirona, paracetamol), AINHs
ou raramente opióides. O mesmo é válido para cefaleia primária tensional.
A associação com dexametasona ou outro corticoide pode ser necessária na presença de meningites e obrigatório na hemorragia subaracnóidea, na arterite temporal, na HIC benigna e na vigência de lesões expansivas. Dores com componente neuropático de desaferentação ou paroxístico podem requerer o uso de antidepressivos, neurolépticos e anticonvulsivantes.
A associação com dexametasona ou outro corticoide pode ser necessária na presença de meningites e obrigatório na hemorragia subaracnóidea, na arterite temporal, na HIC benigna e na vigência de lesões expansivas. Dores com componente neuropático de desaferentação ou paroxístico podem requerer o uso de antidepressivos, neurolépticos e anticonvulsivantes.
Referências Bibliográficas:
1)
MARTINS,
Herlon Saraiva et al. Medicina de Emergência: abordagem prática.
Manole, 2017.
2)
BIGAL,
Marcelo E.; BORDINI, Carlos A.; SPECIALI, José G. Protocolos para tratamento da
cefaléia aguda, em unidade de emergência. Medicina (Ribeirao Preto.
Online), v. 32, n. 4, p. 486-491, 1999.
3)
BORDINI CA. Tratamento hospitalar das
cefaléias. Medicina, Ribeirão Preto; 30: 472-475, 1997.