Sunday, September 10, 2017

Asma nas Unidades de Emergência

Por Anna Laura Hermes Rocha VilardoYasmin Sab

     
Conceitos

         É uma doença inflamatória crônica caracterizada pela hiper-responsividade das vias aéreas inferiores levando a uma limitação do fluxo aéreo. Clinicamente apresenta-se como episódios recorrentes de sibilância, dispnéia, sensação de aperto no tórax e tosse. Esses episódios constituem a exacerbação asmática, um quadro agudo ou subagudo marcado pela combinação de todos esses sintomas e acompanhada por diminuição ao fluxo expiratório, que pode ser quantificado por medidas funcionais pulmonares como o pico de fluxo expiratório (PFE) ou como o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1).

A crise aguda de asma ou exacerbação aguda da asma é um evento que requer imediata ação tanto por parte do paciente (ou responsável) quanto por parte do médico, de modo a evitar desfechos como hospitalização, internação em UTI e até óbito. A ocorrência da crise aguda é um marcador de inadequado controle da doença

  Epidemiologia

        A asma é uma doença com amplo predomínio na infância, sendo cerca de 75% dos casos diagnosticados até os 7-10 anos. Geralmente ocorre regressão espontânea na fase adulta. Tem sido observado que essa doença se comporta com uma distribuição etária bimodal, na medida em que pode apresentar um segundo pico de incidência na idade adulta (entre 50-70 anos).
            A prevalência de asma no mundo é estimada em torno de 7-10% e no Brasil, estima-se que a prevalência seja cerca de 5-10%. Dados do DATASUS mostram que foram registradas 113700 internações por asma e 543 mortes no ano de 2015. Dados de 2005 mostram que as hospitalizações por asma corresponderam a 18,7% daquelas por causas respiratórias e a 2,6% de todas as internações no período, também com algum decréscimo em relação às décadas anteriores. Nesse ano, os custos do Sistema Único de Saúde com internações por asma foram de 96 milhões de reais, o que correspondeu a 1,4% do gasto total anual com todas as doenças.
A mortalidade por asma ainda é baixa, mas apresenta magnitude crescente em diversos países e regiões. No Brasil, em 2000, a taxa de mortalidade por asma como causa básica ou associada foi de 2,29/100.000 habitantes e a mortalidade proporcional foi de 0,41%, predominando no adulto jovem e em ambiente hospitalar.
         Como fatores de risco associados a asma tem-se: atopia (com destaque para rinite alérgica e dermatite atópica), predisposição genética e vida urbana. A urbanização da população se apresenta como um fator de risco na medida em que há maior aglomeração, exposição a poluentes e alérgenos, e atualmente associa-se o aumento da incidência mundial dessa doença com o comportamento populacional em direção aos centros urbanos. Outros fatores de risco podem estar associados como o tabagismo, a obesidade e pouca exposição a infecções durante a infância.


Fisiopatologia
         
A patogênese dessa doença ainda é controversa e complexa. A etiologia mais conhecida é que ocorra uma reação inflamatória crônica na parede de todas as vias aéreas, de intensidade variável. A hiper-responsividade brônquica típica da asma decorre dessa inflamação e é diretamente proporcional ao grau de inflamação, ou seja quanto mais inflamado, mais reativas estão, num quadro persistente. Esse quadro inflamatório decorre de um desequilíbrio imunológico na diferenciação dos linfócitos T-helper, de modo que no asmático observa-se maior predomínio de linfócitos do subtipo Th2, sendo responsável por isso pelo processo da asma.
Existem alguns fatores como viroses respiratórias, contato com alérgenos, exercícios físicos, uso de medicamentos, estresse, mudanças climáticas, que são considerados estímulos à exacerbação da asma. Isso porque em resposta a esses estímulos, por conta do quadro inflamatório persistente, ocorre broncoespasmo, edema da mucosa respiratória, formação de tampões de muco e de células no interior dos brônquios, provocando a obstrução aguda desses. Cabe destacar que não se sabe ainda ao certo o mecanismo pelo qual esses fatores desencadeiam as crises.

Durante as exacerbações os pacientes experimentam piora dos sintomas respiratórios, são em geral quadros progressivos, mas que pode se apresentar agudamente e de forma grave. Essa doença no entanto tende a se apresentar na população como de leve a moderada, conseguindo ser controlada com as medicações típicas. Somente cerca de 5-10% dos pacientes apresentam a forma grave da doença, com difícil controle.

Fonte: http://www.ahdirectory.info/thewaisc-asthma-inhalers.html


Manifestações Clínicas

A tríade clássica durante a exacerbação do quadro de asma compõe dispnéia, opressão torácica e sibilância (sinal clássico de obstrução da via aérea inferior). A sibilância é sinal frequente e preditor, porém sua ausência não exclui diagnóstico.
Outras manifestações comuns durante a crise são: tosse seca ou com expectoração mucóide; prolongamento do tempo expiratório; pulso arterial paradoxal.
Caso o paciente com asma chegue à emergência com tórax silencioso e apresentando sinais de confusão mental, que são sinais de mal prognóstico, a equipe deve considerar intubação orotraqueal, devido provável estado de insuficiência respiratória grave.

Cabe ressaltar que nas crianças nem sempre o quadro clínico se correlaciona com a gravidade da alteração do fluxo.

                                                             Diagnóstico

O diagnóstico na avaliação da crise aguda é clínico e deve ser feito baseado em uma boa anamnese (atentar-se a história de atopia no paciente e/ou familiares) bem como nos achados físicos e sintomas mencionados nas manifestações clínicas. É importante identificar a gravidade da crise, de acordo com os fatores de gravidade (vide tabela abaixo).


Fonte: MARTINS et al, 2016


Os exames complementares não são necessários para o diagnóstico, mas auxiliam na classificação da doença e sugerem possíveis complicações. São eles:

     Radiografia de tórax: não é rotina para diagnóstico, deve ser feito apenas se tiver indicação (suspeita de pneumonia, pneumotórax, derrame pleural).
     Saturação arterial de oxigênio: deve ser realizada em todo paciente para identificar e tratar possível hipoxemia. Deve ser mantida maior ou igual a 93%. É uma das medidas objetivas que mais se correlacionam com a gravidade do paciente, principalmente na criança.
     Gasometria arterial: só deve ser realizada em paciente com hipoventilação e/ou desconforto respiratório, ou  Se PaCO2 >42mmHg indica potencial gravidade. Se maior ou igual a 45 mmHg há indicação de internação em UTI.
     Hemograma: em caso de suspeita de infecção bacteriana.
     Eletrólitos: devem ser solicitados em caso de internação para monitorar possível hipocalemia induzida pelas medicações do tratamento da crise.
     ECG: realizado caso haja antecedente de doença cardíaca ou DPOC.
     Prova de função pulmonar ou aferição do pico de fluxo (PFE) (peak flow): permite a avaliação objetiva da limitação ao fluxo aéreo. Nem sempre é encontrado nos serviços de emergência, mas é de extrema relevância, auxiliando no diagnóstico e na conduta. Se o PFE > 50% do predito considerar como asma leve a moderada, se PFE entre 30-50% do predito, considerar asma grave e se PFE<30 acompanhamento="" com="" considerar="" de="" gasometria.="" insufici="" ncia="" necessidade="" o:p="" por="" respirat="" ria="">
Os achados físicos, sintomas mencionados e a história de crises periódicas são bastantes característicos na asma. Entretanto, deve-se atentar para os possíveis diagnósticos diferenciais:

     Obstrução das vias respiratórias por tumor ou edema laríngeo. Nesse caso, em geral não há sibilos difusos pelos dois campos pulmonares. No entanto,  quando há difícil diferenciação é necessária laringoscopia ou broncoscopia.
     Os sibilos persistentes localizados em uma área do tórax em associação a paroxismos de tosse indicam doença endobrônquica como a aspiração de corpo estranho, neoplasia ou estenose brônquica.
     Os sinais e sintomas descompensação da insuficiência ventricular esquerda ocasionalmente simulam a asma, mas os achados de estertores basais bolhosos, ritmos de galope, escarro com raias de sangue e outros sinais de insuficiência cardíaca permitem o estabelecimento do diagnóstico correto.
     Episódios recorrentes de broncoespasmo podem ocorrer na bronquite crônica, na qual não há períodos verdadeiros sem sintomas e geralmente pode-se obter uma história de tosse crônica e produção de escarro como um fundo no qual os ataques agudos de sibilo sao superpostos.

     Disfunção de glote; pneumonia eosinofílica; embolia pulmonar; DPOC; vasculites sistêmicas, são algumas outras possibilidades. 

Tratamento

     A primeira conduta deve ser o uso de beta 2- agonista de curta duração, o qual deve ser iniciado assim que detectado o quadro de crise asmática. Deve ser utilizado na forma inalatória, de 15-20 minutos, durante a primeira hora, totalizando 3 inalações. O beta 2 agonista que deve ser preferencialmente usado é o salbutamol 2,5 a 5mg nebulizado em 3-5 mL de soro fisiológico. Porém o que está geralmente disponível nos serviços brasileiros é o fenoterol 10-20 gotas diluídas em 3-5 mL de soro fisiológico.
            Caso ao se encerrar esse primeiro ciclo de inalação, o paciente deve ser reavaliado e deve ser analisada a necessidade de adequar a frequência de inalações. Se houver persistência do quadro deve ser prescrita inalação de 1 em 1 hora e espaçar ao longo do tempo, conforme a resposta clínica.
            A terapia de beta2 agonista via parenteral está reservada para os casos graves ou casos em que não haja resposta à terapia inalatória.
            Deve ser adicionado a terapia com beta 2 agonista, um anticolinérgico, sendo o brometo de ipratrópio a droga de escolha, na dose de 5mg (40 gotas) podendo ser associado ao salbutamol ou ao fenoterol. O ipratrópio só está indicado formalmente para os casos graves, porém, na prática, é considerado mesmo para os casos leves a moderados.
            O uso de corticosteróides deve também ser iniciado na exacerbação asmática. A administração preferencial é via oral, sendo a prednisona de 40 a 60 mg a droga de escolha. Pode ser utilizado também a metilprednisolona quando necessária a via intravenosa, nos casos e maior gravidade ou quando há alterações do trato gastrointestinal associadas. Deve ser destacado que ao receber alta o paciente deve receber prescrição de corticóide inalatório associado a prednisona por 5-7 dias, de 50mg via oral.
            A oxigenoterapia está indicada para manter a saturação de oxigênio maior ou igual a 93% e deve ser feita preferencialmente com baixo fluxo.
            O sulfato de magnésio ainda é controverso, mas está indicado nas exacerbações muito graves, sem resposta ao tratamento usual. É utilizado intravenoso na dose de 1,2-2g durante 20 a 30 minutos.
            A epinefrina é medicação de escolha quando há suspeita de anafilaxia e deve ser utilizada 0,3 mg em solução de 1:1000.
            Outras drogas como metilxantinas e antagonistas de leucotrienos não estão indicados rotineiramente. Não é indicada a antibioticoterapia na exacerbação asmática, pois a maioria dessas decorre de quadro infeccioso viral. O uso de antibióticos só está indicado quando houver indicação específica, por exemplo na presença de pneumonia. Não estão indicados mucolíticos, sob risco de piora do quadro, e nem sedativos, exceto se houver necessidade de intubação orotraqueal.
            A intubação orotraqueal deve ser realizada quando o paciente apresentar alteração do nível de consciência, bradicardia, iminência de parada respiratória ou condições clínicas de alerta (ex: tórax silencioso). Deve ser usada a técnica de intubação de sequência rápida, e ventilação mecânica no modo controlado com baixo volume corrente, baixa frequência respiratória (6 a 12/min), curto tempo inspiratório e PEEP próximo ao do auto PEEP (80%).
            O quadro a seguir resume as condutas conforme a classificação de gravidade e indica a conduta de acordo com a resposta clínica do paciente.

 Fonte: MARTINS et al, 2016


Critérios para Alta ou Hospitalização

A avaliação da resposta terapêutica deve ser realizada 30-60 min após o tratamento inicial, com reclassificação da gravidade do paciente.
Os pacientes com boa resposta ao tratamento que não apresentam sinais de gravidade, com SpO2 > 95% e que atingiram PFE ou VEF1 > 60% do valor previsto podem ser liberados para o domicílio. Cabe ressaltar algumas condutas importantes na alta. Os pacientes devem receber prescrição de corticosteróide oral por 5-7 dias (prednisona); deve ser indicado também o uso de corticóide inalatório, e deve ser demonstrado o uso correto do mesmo; devem ser indicadas terapias broncodilatadoras de uso conforme demanda, para evitar exacerbações. Devem ainda receber orientações sobre os possíveis fatores de risco para as exacerbações, e indicação de acompanhamento ambulatorial
Se houver persistência de critérios clínicos de gravidade ou SpO2 < 92%, ou PFE <40 25="" a="" adequado="" ainda="" ap="" apesar="" bem="" cardiorrespirat="" caso="" chegada="" como="" comp="" complica="" considerar="" crit="" da="" de="" deteriora="" do="" dos="" em="" emerg="" es="" exacerba="" grave="" hist="" horas="" interna="" manuten="" mec="" muito="" na="" ncia="" necessidade="" nica="" no="" o.="" o:p="" o="" ocorr="" ou="" para="" parada="" progressiva="" ria="" rios="" s="" transfer="" tratamento="" uma="" uti.="" ventila="">




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Martire TM. Asma aguda na infância. - Revista de Pediatria SOPERJ. 2012;13(2):43-53

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MARTINS, Herlon Saraiva et al. Medicina de emergências: abordagem prática. 2016

LONGO, Dan L. et al. Medicina interna de Harrison. 18.ed.