Por Anna Laura Hermes Rocha Vilardo e Yasmin Sab
Conceitos
É uma doença inflamatória crônica caracterizada pela hiper-responsividade das vias aéreas inferiores levando a uma limitação do fluxo aéreo. Clinicamente apresenta-se como episódios recorrentes de sibilância, dispnéia, sensação de aperto no tórax e tosse. Esses episódios constituem a exacerbação asmática, um quadro agudo ou subagudo marcado pela combinação de todos esses sintomas e acompanhada por diminuição ao fluxo expiratório, que pode ser quantificado por medidas funcionais pulmonares como o pico de fluxo expiratório (PFE) ou como o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1).
A crise aguda de asma ou exacerbação aguda da asma é um evento que requer imediata ação tanto por parte do paciente (ou responsável) quanto por parte do médico, de modo a evitar desfechos como hospitalização, internação em UTI e até óbito. A ocorrência da crise aguda é um marcador de inadequado controle da doença
Epidemiologia
A asma é uma doença com amplo predomínio na infância, sendo cerca de 75%
dos casos diagnosticados até os 7-10 anos. Geralmente ocorre regressão
espontânea na fase adulta. Tem sido observado que essa doença se comporta com
uma distribuição etária bimodal, na medida em que pode apresentar um segundo
pico de incidência na idade adulta (entre 50-70 anos).
A prevalência de asma
no mundo é estimada em torno de 7-10% e no Brasil, estima-se que a prevalência
seja cerca de 5-10%. Dados do DATASUS mostram que foram registradas 113700
internações por asma e 543 mortes no ano de 2015. Dados de 2005 mostram que as hospitalizações por asma
corresponderam a 18,7% daquelas por causas respiratórias e a 2,6% de todas as
internações no período, também com algum decréscimo em relação às décadas
anteriores. Nesse ano, os custos do Sistema Único de Saúde com internações por
asma foram de 96 milhões de reais, o que correspondeu a 1,4% do gasto total
anual com todas as doenças.
A
mortalidade por asma ainda é baixa, mas apresenta magnitude crescente em
diversos países e regiões. No Brasil, em 2000, a taxa de mortalidade por asma
como causa básica ou associada foi de 2,29/100.000 habitantes e a mortalidade
proporcional foi de 0,41%, predominando no adulto jovem e em ambiente
hospitalar.
Como fatores de risco associados a asma tem-se:
atopia (com destaque para rinite alérgica e dermatite atópica), predisposição
genética e vida urbana. A urbanização da população se apresenta como um fator
de risco na medida em que há maior aglomeração, exposição a poluentes e
alérgenos, e atualmente associa-se o aumento da incidência mundial dessa doença
com o comportamento populacional em direção aos centros urbanos. Outros fatores
de risco podem estar associados como o tabagismo, a obesidade e pouca exposição
a infecções durante a infância.
Fisiopatologia
A patogênese dessa doença ainda é controversa e
complexa. A etiologia mais conhecida é que ocorra uma reação inflamatória
crônica na parede de todas as vias aéreas, de intensidade variável. A
hiper-responsividade brônquica típica da asma decorre dessa inflamação e é
diretamente proporcional ao grau de inflamação, ou seja quanto mais inflamado,
mais reativas estão, num quadro persistente. Esse quadro inflamatório decorre
de um desequilíbrio imunológico na diferenciação dos linfócitos T-helper, de
modo que no asmático observa-se maior predomínio de linfócitos do subtipo Th2,
sendo responsável por isso pelo processo da asma.
Existem alguns fatores como viroses
respiratórias, contato com alérgenos, exercícios físicos, uso de medicamentos,
estresse, mudanças climáticas, que são considerados estímulos à exacerbação da
asma. Isso porque em resposta a esses estímulos, por conta do quadro
inflamatório persistente, ocorre broncoespasmo, edema da mucosa respiratória,
formação de tampões de muco e de células no interior dos brônquios, provocando
a obstrução aguda desses. Cabe destacar que não se sabe ainda ao certo o
mecanismo pelo qual esses fatores desencadeiam as crises.
Durante as exacerbações os pacientes
experimentam piora dos sintomas respiratórios, são em geral quadros
progressivos, mas que pode se apresentar agudamente e de forma grave. Essa
doença no entanto tende a se apresentar na população como de leve a moderada,
conseguindo ser controlada com as medicações típicas. Somente cerca de 5-10%
dos pacientes apresentam a forma grave da doença, com difícil controle.
Fonte: http://www.ahdirectory.info/thewaisc-asthma-inhalers.html
Manifestações Clínicas
A tríade clássica durante a exacerbação do
quadro de asma compõe dispnéia, opressão torácica e sibilância (sinal clássico
de obstrução da via aérea inferior). A sibilância é sinal frequente e preditor,
porém sua ausência não exclui diagnóstico.
Outras manifestações comuns durante a crise
são: tosse seca ou com expectoração mucóide; prolongamento do tempo expiratório;
pulso arterial paradoxal.
Caso o paciente com asma chegue à emergência
com tórax silencioso e apresentando sinais de confusão mental, que são sinais
de mal prognóstico, a equipe deve considerar intubação orotraqueal, devido
provável estado de insuficiência respiratória grave.
Cabe ressaltar que nas crianças nem sempre o
quadro clínico se correlaciona com a gravidade da alteração do fluxo.
Diagnóstico
O diagnóstico na avaliação da crise aguda é
clínico e deve ser feito baseado em uma boa anamnese (atentar-se a história de
atopia no paciente e/ou familiares) bem como nos achados físicos e sintomas
mencionados nas manifestações clínicas. É importante identificar a gravidade da
crise, de acordo com os fatores de gravidade (vide tabela abaixo).
Fonte: MARTINS et al, 2016
Os exames complementares não são necessários
para o diagnóstico, mas auxiliam na classificação da doença e sugerem possíveis
complicações. São eles:
● Radiografia de tórax: não é rotina para
diagnóstico, deve ser feito apenas se tiver indicação (suspeita de pneumonia,
pneumotórax, derrame pleural).
● Saturação arterial de oxigênio: deve ser
realizada em todo paciente para identificar e tratar possível hipoxemia. Deve
ser mantida maior ou igual a 93%. É uma das medidas objetivas que mais se
correlacionam com a gravidade do paciente, principalmente na criança.
● Gasometria arterial: só deve ser realizada em
paciente com hipoventilação e/ou desconforto respiratório, ou Se PaCO2 >42mmHg indica
potencial gravidade. Se maior ou igual a 45 mmHg há indicação de internação em
UTI.
● Hemograma: em caso de suspeita de infecção
bacteriana.
● Eletrólitos: devem ser solicitados em caso de
internação para monitorar possível hipocalemia induzida pelas medicações do
tratamento da crise.
● ECG: realizado caso haja antecedente de doença
cardíaca ou DPOC.
● Prova de função pulmonar ou aferição do pico de
fluxo (PFE) (peak flow): permite a avaliação objetiva da limitação ao fluxo
aéreo. Nem sempre é encontrado nos serviços de emergência, mas é de extrema
relevância, auxiliando no diagnóstico e na conduta. Se o PFE > 50% do
predito considerar como asma leve a moderada, se PFE entre 30-50% do predito,
considerar asma grave e se PFE<30 acompanhamento="" com="" considerar="" de="" gasometria.="" insufici="" ncia="" necessidade="" o:p="" por="" respirat="" ria="">30>
Os achados físicos, sintomas mencionados e a
história de crises periódicas são bastantes característicos na asma. Entretanto, deve-se atentar para os possíveis diagnósticos
diferenciais:
● Obstrução das vias respiratórias por tumor ou
edema laríngeo. Nesse caso, em geral não há sibilos difusos pelos dois campos
pulmonares. No entanto, quando há
difícil diferenciação é necessária laringoscopia ou broncoscopia.
● Os sibilos persistentes localizados em uma área
do tórax em associação a paroxismos de tosse indicam doença endobrônquica como
a aspiração de corpo estranho, neoplasia ou estenose brônquica.
● Os sinais e sintomas descompensação da
insuficiência ventricular esquerda ocasionalmente simulam a asma, mas os
achados de estertores basais bolhosos, ritmos de galope, escarro com raias de
sangue e outros sinais de insuficiência cardíaca permitem o estabelecimento do
diagnóstico correto.
● Episódios recorrentes de broncoespasmo podem
ocorrer na bronquite crônica, na qual não há períodos verdadeiros sem sintomas
e geralmente pode-se obter uma história de tosse crônica e produção de escarro
como um fundo no qual os ataques agudos de sibilo sao superpostos.
● Disfunção de glote; pneumonia eosinofílica;
embolia pulmonar; DPOC; vasculites sistêmicas, são algumas outras
possibilidades.
Tratamento
A primeira conduta deve ser o uso de beta 2- agonista de curta duração,
o qual deve ser iniciado assim que detectado o quadro de crise asmática. Deve
ser utilizado na forma inalatória, de 15-20 minutos, durante a primeira hora,
totalizando 3 inalações. O beta 2 agonista que deve ser preferencialmente usado
é o salbutamol 2,5 a 5mg nebulizado em 3-5 mL de soro fisiológico. Porém o que
está geralmente disponível nos serviços brasileiros é o fenoterol 10-20 gotas
diluídas em 3-5 mL de soro fisiológico.
Fonte: MARTINS et al, 2016
Caso ao se encerrar
esse primeiro ciclo de inalação, o paciente deve ser reavaliado e deve ser
analisada a necessidade de adequar a frequência de inalações. Se houver
persistência do quadro deve ser prescrita inalação de 1 em 1 hora e espaçar ao
longo do tempo, conforme a resposta clínica.
A terapia de beta2
agonista via parenteral está reservada para os casos graves ou casos em que não
haja resposta à terapia inalatória.
Deve ser adicionado a
terapia com beta 2 agonista, um anticolinérgico, sendo o brometo de ipratrópio
a droga de escolha, na dose de 5mg (40 gotas) podendo ser associado ao
salbutamol ou ao fenoterol. O ipratrópio só está indicado formalmente para os
casos graves, porém, na prática, é considerado mesmo para os casos leves a
moderados.
O uso de
corticosteróides deve também ser iniciado na exacerbação asmática. A
administração preferencial é via oral, sendo a prednisona de 40 a 60 mg a droga
de escolha. Pode ser utilizado também a metilprednisolona quando necessária a
via intravenosa, nos casos e maior gravidade ou quando há alterações do trato
gastrointestinal associadas. Deve ser destacado que ao receber alta o paciente
deve receber prescrição de corticóide inalatório associado a prednisona por 5-7
dias, de 50mg via oral.
A oxigenoterapia está
indicada para manter a saturação de oxigênio maior ou igual a 93% e deve ser
feita preferencialmente com baixo fluxo.
O sulfato de magnésio
ainda é controverso, mas está indicado nas exacerbações muito graves, sem
resposta ao tratamento usual. É utilizado intravenoso na dose de 1,2-2g durante
20 a 30 minutos.
A epinefrina é
medicação de escolha quando há suspeita de anafilaxia e deve ser utilizada 0,3
mg em solução de 1:1000.
Outras drogas como metilxantinas
e antagonistas de leucotrienos não estão indicados rotineiramente. Não é
indicada a antibioticoterapia na exacerbação asmática, pois a maioria dessas
decorre de quadro infeccioso viral. O uso de antibióticos só está indicado
quando houver indicação específica, por exemplo na presença de pneumonia. Não
estão indicados mucolíticos, sob risco de piora do quadro, e nem sedativos,
exceto se houver necessidade de intubação orotraqueal.
A intubação orotraqueal
deve ser realizada quando o paciente apresentar alteração do nível de
consciência, bradicardia, iminência de parada respiratória ou condições
clínicas de alerta (ex: tórax silencioso). Deve ser usada a técnica de
intubação de sequência rápida, e ventilação mecânica no modo controlado com
baixo volume corrente, baixa frequência respiratória (6 a 12/min), curto tempo
inspiratório e PEEP próximo ao do auto PEEP (80%).
O quadro a seguir
resume as condutas conforme a classificação de gravidade e indica a conduta de
acordo com a resposta clínica do paciente.
Critérios para Alta ou Hospitalização
A avaliação da resposta terapêutica deve ser
realizada 30-60 min após o tratamento inicial, com reclassificação da gravidade
do paciente.
Os pacientes com boa resposta ao tratamento que
não apresentam sinais de gravidade, com SpO2 > 95% e que atingiram PFE ou
VEF1 > 60% do valor previsto podem ser liberados para o domicílio. Cabe
ressaltar algumas condutas importantes na alta. Os pacientes devem receber
prescrição de corticosteróide oral por 5-7 dias (prednisona); deve ser indicado
também o uso de corticóide inalatório, e deve ser demonstrado o uso correto do
mesmo; devem ser indicadas terapias broncodilatadoras de uso conforme demanda,
para evitar exacerbações. Devem ainda receber orientações sobre os possíveis
fatores de risco para as exacerbações, e indicação de acompanhamento
ambulatorial
Se houver persistência de critérios clínicos de
gravidade ou SpO2 < 92%, ou PFE <40 25="" a="" adequado="" ainda="" ap="" apesar="" bem="" cardiorrespirat="" caso="" chegada="" como="" comp="" complica="" considerar="" crit="" da="" de="" deteriora="" do="" dos="" em="" emerg="" es="" exacerba="" grave="" hist="" horas="" interna="" manuten="" mec="" muito="" na="" ncia="" necessidade="" nica="" no="" o.="" o:p="" o="" ocorr="" ou="" para="" parada="" progressiva="" ria="" rios="" s="" transfer="" tratamento="" uma="" uti.="" ventila="">40>
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