Monday, December 9, 2019

Acidentes ofidicos


ACIDENTE OFÍDICOS
Rayane Meirelles, Diogo Pinheiro

INTRODUÇÃO

O acidente por animais peçonhentos possui relevância no Brasil devido ao seu grande número de casos registrados. Contudo, esse número é subestimado, pois existem falhas no fluxo de informação do SINAN(por exemplo, Cabo Frio- RJ possui um registro de acidente por cascavel, contudo é sabido que a região não possui o animal), assim como falta de conhecimento pela população e a própria área médica. Os acidentes mais comuns em ordem decrescente são: cobras, escorpiões, aranhas e lagartas.

No Brasil, ocorrem cerca de 30 mil acidentes ofídicos por ano. Dentre os quais 85% são por cobras peçonhentas. As de maior importância são as do gênero: Bothrops( jararaca), Crotalus(cascavel), Lachesis(surucucu) e Micrurus(coral verdadeira), sendo as 3 primeiras diferenciadas de acordo com o imagem 1. Neste artigo, abordaremos aspectos sobre acidentes ofídicos com destaque para o quadro clínico e tratamento, pois, como muitas vezes o paciente não consegue descrever o animal,  reconhecer a sintomatologia torna-se fundamental para a conduta terapêutica.


Imagem 1

Fonte: Ferreira, S.F. Estudos Bioquimicos e Toxiconológicos comparativos entre as peçonhas de machos e fêmeas da bothrops mattogrossensis. Dissertação Pós Graduação – UFPB. Paraíba, p.15. 2017.

1) Bothrops (Jararaca)

Se distribui por todo o Brasil, em zonas rurais e periferias de grandes cidades. Habitam em matas e locais onde os roedores se multiplicam com facilidade como depósito de lenha, celeiros e paióis. Hábito predominantemente noturno.

Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.


Quadro Clínico: O veneno possui ação proteolítica, coagulante e hemorrágica. Resulta em dor e edema endurado no local da picada com equimose e sangramento local, podendo complicar com bolhas, necrose, síndrome compartimental e amputação. Os efeitos sistêmicos são gengivorragia, epistaxe, hematêmese e hematúria. As complicações mais comuns são choque e insuficiência renal aguda.

 



Tratamento: Soro antibotrópico ou antibotrópico-laquético conforme tabela 1.



2) Lachesis(surucucu)

Esta espécie é encontrada em matas úmidas no Norte, Nordeste e Sudeste. É a maior das serpentes peçonhentas das Américas, atingindo até 3,5m. Habitam áreas florestais como Amazônia, Mata Atlântica e algumas enclaves de matas úmidas do Nordeste. 


Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.


Quadro clínico: O veneno possui ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica.
Assim, o paciente apresenta quadro semelhante ao botrópico acrescentando-se neurotoxicidade com estimulação vagal(hipotensão, tontura, bradicardia, cólica abdominal e diarreia), predominando dor e edema, que podem progredir para todo o membro. Podem surgir vesículas e bolhas de conteúdo seroso ou sero-hemorrágico nas primeiras horas após o acidente. As manifestações hemorrágicas limitam-se ao local da picada na maioria dos casos.

 


Tratamento: Os acidentes laquéticos são classificados como moderados e graves. Por serem serpentes de grande porte, considera-se que a quantidade de veneno por elas injetada é potencialmente muito grande. A gravidade é avaliada segundo os sinais locais e pela intensidade das manifestações sistêmicas. Soro antibotrópico-laquético 10 a 20 ampolas, conforme tabela 1.



3) Crotalus (Cascavel)

É a serpente cuja toxina apresenta maior índice de letalidade. São encontradas em áreas secas, arenosas e pedregosas, raramente em faixa litorânea e, quando ameaçada, produz ruído sonoro por meio da movimentação de guizo presente na cauda, denunciando sua posição.

 
Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.


Quadro Clínico: A inoculação não gera reação local e a toxina tem ação neurotóxica, coagulante e miotóxica. 
A atividade neurotóxica proveniente da inibição da liberação de acetilcolina provoca paralisia flácida com ptose palpebral, turvação visual, oftalmoplegia e fácies miastenica, muito característica da toxina. Raramente, pode ocorrer insuficiência respiratória. A ação coagulante predispõe o paciente à ocorrência de sangramentos. Já a ação miotóxica resulta em rabdomiólise generalizada, que pode evoluir para insuficiência renal aguda devido à mioglobinúria elevada, principal causa de óbito nesses acidentes.

Tratamento: O tratamento é por meio da infusão endovenosa do soro antibotrópico-crotálico: 5 a 20 ampolas a depender da gravidade, conforme tabela 1. A prevenção da insuficiencia renal aguda é de suma importância para prevenir o óbito. Portanto, é necessária hidratação endovenosa para que o fluxo urinário permaneça em torno de 30-40 ml/hora no adulto e 1-2ml/kg/hora na criança



4) Elapidae (Coral)

São encontradas na região sul e litoral da região sudeste e possuem anéis vermelhos, pretos e brancos em qualquer tipo de combinação.




Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.


Quadro Clínico: Possui efeito neurotóxico, principalmente. Há paralisia muscular devido à inibição da liberação de acetilcolina e ao mecanismo de competição da toxina com a acetilcolina nos receptores pós sinápticos das células musculares. Desse modo, as manifestações sistêmicas são similares às do acidente botálico, acrescentando-se mialgia localizada ou generalizada, dificuldade de deglutição e de manutenção da postura ereta. A insuficiência respiratória também é uma evolução possível.

Tratamento: Todos os casos com manifestações clínicas são considerados potencialmente graves e há possibilidade de óbito em curto intervalo de tempo. O tratamento principal é a administração endovenosa de soro antielapídico, conforme tabela 1.
Caso o mecanismo de ação neurotóxica seja de competição da toxina com a acetilcolina pelos receptores pós-sinápticos, pode-se adotar a seguinte conduta para reversão da insuficiência respiratória até que o paciente receba a assistencia ventilatória mecânica necessária:
1 - Cinco doses I.V de 0,5 mg de neostigmina, em intervalos aproximados de trinta minutos.
2 - Cada aplicação de neostigmina deve ser precedida de dose I.V de 0,5 mg de sulfato de atropina, de modo que ocorra aumento de 20 bpm na frequência de pulso. A mesma dose de neostigmina (0,5 mg) deverá ser administrada em intervalos maiores, de acordo com evolução, até recuperação completa.


Tabela 1 : Terapia Soro Antiveneno para os principais acidentes ofídicos do Brasil
Fonte: Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.

Tratamento Geral de acidentes ofídicos
Deve-se adotar as seguintes medidas no primeiro atendimento ao acidente ofídico: 
1) Limpeza local da área de inoculação com água e sabão e soro fisiológico.
2) Elevação passiva de membro acometido.
    Mostrou-se útil para diminuição da dor e prevenção de síndrome de compartimento devido à distribuição do edema. Sempre avaliar perfusão distal durante a manobra.
3) Manutenção da hidratação e diurese.
4) Encaminhar o paciente para administração do soro adequado.
5) Em caso de abscessos, optar por drenagem e coleta de material para cultura e orientação do tratamento. Se não houver essa possibilidade: uso de cloranfenicol endovenoso(500mg/6h/7dias), seguido, se necessário, pelo uso de via oral (1g/24h) por mais quatro ou cinco dias. Dependendo da evolução clínica, poderá ser indicada a associação de clindamicina com aminoglicosídeo.
6) Debridamento de tecidos necrosados
7) Fasciotomia nas Síndromes Compartimentais.
8) Verificação de estado de coagulação para possíveis correções antes de procedimentos como drenagens de abscessos, desbridamentos e fasciotomias.
9) Vacina Antitetanica

Primeiros  Socorros

1) O indivíduo deve permanecer deitado e aquecido.
2) O local de inoculação deve ser limpado APENAS com água
3) Se não estiver vomitando, paciente pode beber água.
4) Levar a cobra para identificação, se possível.

Reações adversas ao soro antiveneno

Podem haver reações de hipersensibilidade ao soro antiveneno, semelhantes à reação anafilática. Para evitar grandes complicações, aconselha-se garantir bom acesso venoso, garantir acessibilidade a equipamentos e medicamentos para tratamento de possíveis choques anafiláticos, além de drogas anti-histaminicas e hidrocortisona.
Há,ainda, a possibilidade de reação de hipersensibilidade tardia, de 5 a 24 dias após o uso do soro antiveneno. Nesse caso, na vigência de febre, artralgia, linfoadenomegalia, urticária e proteinúria, faz-se necessária a utilização de prednisona, na dose de 1 mg/kg dia (máximo de 60 mg) por cinco a sete dias. 


REFERENCIAS:

1.Rafaela Cheung , Claudio Machado. ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS NA REGIÃO DOS LAGOS, RIO DE JANEIRO, BRASIL. 2017

2.Ana Thereza Arêa Leão de Oliveira. Acidentes com animais peçonhentos no Brasil: revisão de literatura. 2018

3.Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhento. Ministerio da saude. 2001

4.Boletim Epidemiológico Secretaria de Vigilância em Saúde Ministério da Saúde. Acidentes de trabalho por animais peçonhentos entre trabalhadores do campo, floresta e águas, Brasil 2007 a 2017.  2019

5.Pinho, F.M.O., & Pereira, I.D.. (2001). Ofidismo. Revista da Associação Médica Brasileira47(1), 24-29.

6.Ministério da Saúde (BR). Fundação Nacional de Saúde. Guia de Vigilancia Epidemiológica. 7ª edição. Brasília; 2009

7.Azevedo-Marques MM, Cupo P, Hering SE. Acidentes por animais peçonhentos: serpentes peçonhentas. Medicina (Ribeirão Preto). 2003; 36:480-9.