Sunday, September 24, 2017

MANEJO DA CETOACIDOSE DIABÉTICA E DO ESTADO HIPERGLICÊMICO HIPEROSMOLAR NÃO-CETÓTICO NA EMERGÊNCIA

 Por Camilla D. Bagno e Laís L. Pires

Introdução

        A hiperglicemia é um dos distúrbios mais comuns no departamento de emergência e há sempre muitas dúvidas sobre qual conduta correta a ser tomada pelo emergencista. Apesar de ser uma grande causa de procura em pronto-atendimentos, é fundamental lembrar que uma minoria dos casos de hiperglicemia relaciona-se com cetoacidose diabética (CAD) e estado hiperglicêmico hiperosmolar não-cetótico (EHHNC). A importância de estudar esse tema se dá pelo fato de serem condições potencialmente graves quando não conduzidas corretamente.


Definições

        A CAD é uma complicação aguda e grave do Diabetes Mellitus (DM). O conjunto de distúrbios metabólicos se desenvolve em uma situação de deficiência insulínica grave ou absoluta, comumente associada a condições estressantes, que levam ao aumento dos hormônios contrarreguladores. O aumento da atividade cetogênica decorrente da lipólise é um componente fisiopatológico marcante. É tipicamente associada ao paciente diabético tipo 1, mas também ocorre nos pacientes diabéticos tipo 2 em determinadas condições de extremo estresse, como severas infecções, traumas e infarto agudo do miocárdio. 

      O EHHNC é uma complicação mais relacionada ao diabético tipo 2, com deficiência insulínica relativa, principalmente em indivíduos acima de 65 anos. Caracteriza-se pela hiperglicemia severa, hiperosmolaridade e desidratação, na ausência de cetoacidose principalmente envolvendo o sistema nervoso central. Como nesses pacientes ainda há uma insulina sérica residual, ela já é suficiente para inibir o processo de lipólise e, consequentemente, impedir a formação de corpos cetônicos. 


Representação esquemática da fisiopatologia da cetoacidose diabética e do estado hiperglicêmico hiperosmolar. Fonte: FOSS-FREITAS, MC; FOSS, MC. Cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosmolar. Medicina, Ribeirão Preto


       Ambas são complicações agudas do Diabetes Mellitus e, geralmente, estão associadas a um evento desencadeador. O mais comum é a infecção (pneumonias ou infecções do trato urinário). 
         O prognóstico da crise hiperglicêmica é pior em extremos de idade, na presença de coma e de hipotensão. 
          A mortalidade na crise hiperglicêmica está primariamente relacionada com o fator precipitante e, mais raramente, com as complicações metabólicas da hiperglicemia ou cetoacidose.

Diagnóstico Diferencial

          A hiperglicemia no paciente diabético pode ter como diagnósticos diferenciais, além da CAD e do EHHNC:
  • ·         Omissão da medicação hipoglicemiante ou insulina
  • ·         Cetoacidose alcoólica
  • ·         Sepse
  • ·         Síndromes coronarianas Agudas
  • ·         Embolia Pulmonar
  • ·         Intoxicação por Salicilatos ou outro estado induzido por drogas
  • ·         Pancreatite Aguda
  • ·         Síndrome de Cushing
  • ·         Abdome Agudo cirúrgico
  • ·  Drogas: Glicocorticoides, diuréticos tiazídicos, anticonvulsivantes como fenitoína, contraceptivos orais e Betabloqueadores.

          A maioria dos casos de hiperglicemia na chegada do paciente à emergência se relaciona com o controle inadequado ambulatorial do diabetes mellitus. Contudo, diversas etiologias podem descompensar um quadro de hiperglicemia, como sepse e síndromes coronarianas agudas.
A CAD tem também outros diagnósticos diferenciais relacionados: Cetose de jejum, cetoacidose alcoólica, acidose lática e outras acidoses com aumento de ânion GAP como lesão renal aguda ou doença renal crônica.

Achados Clínicos

      A evolução clínica da CAD é mais rápida do que a do EHHNC, mas ambas emergências hiperglicêmicas possuem sinais/sintomas progressivos de DM descompensado, como poliúria, polidpsia e perda de peso.
      Na CAD pode-se ainda se apresentar com dor abdominal, náusea, vômito, hálito cetônico, taquipneia e respiração de Kussmaul. Já na EHHNC o paciente pode apresentar uma profunda desidratação e rebaixamento de nível de consciência (torpor ou coma).

Exames Laboratoriais
        Na emergência, devem ser solicitados exames de glicose capilar, hemograma (pode haver desvio à esquerda sem infecção), eletrólitos (sódio, potássio, magnésio, fósforo), ureia, creatinina, cetonemia, análise urinária, cetonúria, gasometria e eletrocardiograma. Se necessário, solicitar radiografia de tórax e culturas de sangue e/ou urina.

Critérios Diagnósticos


Lembrete 1: Osmolaridade efetiva = 2 x Na+ medido + Glicemia (mg/dl)/18
Lembrete 2: Na cetoacidose ocorre uma acidose metabólica com ânion GAP aumentado devido a produção de cetoânions. É importante lembrar como se calcula.

Ânion GAP = (Na+ medido) – (Cl- + HCO3-)

Tratamento

     O tratamento da CAD e do EHHNC são similares, como a correção da volemia e das anormalidades eletrolíticas que estão tipicamente presentes, incluindo hiperosmolaridade, hipovolemia, acidose metabólica (na CAD) e depleção de potássio, e administração de insulina.
        É imprescindível ressaltar que o mais importante na sala de emergência não é a correção da glicemia, mas sim a normalização distúrbios decorrentes dela. Somente após estabilizar o paciente, a preocupação maior será essa.

  • Hidratação
        A hidratação deve ser iniciada assim que o paciente chega à emergência.





      A hidratação com soro fisiológico (SF) deve ser feita até a glicemia atingir 200 mg/dL. Depois disso, trocar para soro NaCl com 5% de glicose e manter 150 – 200 ml/h para estabilizar a glicemia entre 150 – 200 mg/dL.

       Cuidado: O sódio que se usará como parâmetro não é o que vem no resultado do exame, mas sim o corrigido!! Isso ocorre pois a hiperglicemia, pelo seu efeito osmótico, “puxa” água para dentro das células diluindo o sódio plasmático (que será dosado no exame, mas não será o valor que ele realmente é).
Na+corrigido = (Na+)+ 1,6 x [(glicose em mg/dl) – 100/100]

  • Potássio

       O potássio deve ser avaliado a cada 2h ou 4h e reposto se necessário. Pois, com a hidratação, reposição da insulina, correção da acidose e da hipovolemia pode haver uma diminuição importante do potássio sérico. É importante avaliá-lo sempre antes do início da insulinoterapia.





  • Insulinoterapia

     O tratamento com insulina somente deve ser iniciado se o potássio sérico > 3,3 mEq/L. Deve ser feito uma dose de insulina regular em bolus de 0,1 U/kg IV e depois, a insulina regular deve ser mantida em bomba de infusão (BI) 0,1 U/kg/h IV.
    A glicemia capilar deve ser monitorada a cada 1h e é esperado que diminua 10%/hora. Se essa queda da glicemia for menor que 10%,  fazer bolus de insulina regular 0,15 U/kg EV.
     Ao atingir a glicemia de 200mg/dL, deve-se reduzir a insulina IV para 0,05 U/kg/h, para manter a glicemia entre 150 – 200 mg/dL.

  • Bicarbonato

     É raro a necessidade de repor o bicarbonato na CAD, somente é feita se pH < 6,9*. No EHHNC não há acidose.
    *Há divergências na literatura sobre esse valor, já sendo encontrado também se pH<7 ou="" p="" ph="">


  • Fosfato

      A hipofosfatemia leve é um achado comum e geralmente assintomático durante a terapia da CAD. Não está indicada a reposição desse sal de rotina em razão do risco de hipocalcemia.
  Em situações de extrema depleção (<1 1="" 20-30meq="" a="" aguda="" cl="" com="" como="" de="" dl="" durante="" es="" est="" fluidos="" fosfato="" graves="" h.="" indicada="" insufici="" l="" m="" manifesta="" mg="" ml="" ncia="" nicas="" no="" o:p="" o="" pot="" reposi="" respirat="" ria="" ssio="" ximo="">


Critérios de Resolução
  • CAD
    •          Glicemia < 200 mg/dl
    • Bicarbonato > 18 mEq/l
    • pH > 7,3
    • Estabilidade Hemodinâmica
    •          Ausência de náuseas e vômitos

  • EHHNC
    •    Osmolaridade plasmática < 315 mOsm/kg
    •    Alerta e capaz de se alimentar
    •   Glicemias <250-300mg dl="" span="">
             Com os critérios preenchidos, já pode: liberar a dieta, suspender a infusão venosa de insulina após 1h depois da aplicação da 1ª dose de insulina regular via subcutâneo e acrescentar NPH na prescrição.


      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
    MARTINS, HS; NETO, RAB; VELASCO, IT. Medicina de Emergência: Abordagem prática. 11ª edição. Manole, 2016.  
     EMMET, M. Diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic state in adults: Epidemiology and pathogenesis. Uptodate. 2016. Acesso em 10/09/2017.
    MARTINS, HS; NETO, RAB; SANTOS, RA; ARNAUD, F. Medicina de Emergência: Revisão rápida. 1ª edição. Manole, 2017.
   FOSS-FREITAS, MC; FOSS, MC. Cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosmolar. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 389-393, abr./dez. 2003.
    Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016) / Adolfo Milech...[et. al.]; organização José Egidio Paulo de Oliveira, Sérgio Vencio - São Paulo: A.C. Farmacêutica, 2016.