Por Camilla D. Bagno e Laís L. Pires
Introdução
A hiperglicemia
é um dos distúrbios mais comuns no departamento de emergência e há sempre
muitas dúvidas sobre qual conduta correta a ser tomada pelo emergencista.
Apesar de ser uma grande causa de procura em pronto-atendimentos, é fundamental
lembrar que uma minoria dos casos de hiperglicemia relaciona-se com cetoacidose
diabética (CAD) e estado hiperglicêmico hiperosmolar não-cetótico (EHHNC). A importância
de estudar esse tema se dá pelo fato de serem condições potencialmente graves
quando não conduzidas corretamente.
Definições
A CAD é
uma complicação aguda e grave do Diabetes Mellitus (DM). O conjunto de
distúrbios metabólicos se desenvolve em uma situação de deficiência insulínica
grave ou absoluta, comumente associada a condições estressantes, que levam ao
aumento dos hormônios contrarreguladores. O aumento da atividade cetogênica
decorrente da lipólise é um componente fisiopatológico marcante. É tipicamente
associada ao paciente diabético tipo 1, mas também ocorre nos pacientes
diabéticos tipo 2 em determinadas condições de extremo estresse, como severas
infecções, traumas e infarto agudo do miocárdio.
O EHHNC
é uma complicação mais relacionada ao diabético tipo 2, com deficiência
insulínica relativa, principalmente em indivíduos acima de 65 anos. Caracteriza-se
pela hiperglicemia severa, hiperosmolaridade e desidratação, na ausência de
cetoacidose principalmente envolvendo o sistema nervoso central. Como nesses
pacientes ainda há uma insulina sérica residual, ela já é suficiente para
inibir o processo de lipólise e, consequentemente, impedir a formação de corpos
cetônicos.
Representação esquemática
da fisiopatologia da cetoacidose diabética e do estado hiperglicêmico
hiperosmolar. Fonte: FOSS-FREITAS,
MC; FOSS, MC. Cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosmolar. Medicina, Ribeirão Preto
Ambas são
complicações agudas do Diabetes Mellitus e, geralmente, estão associadas a um
evento desencadeador. O mais comum é a infecção (pneumonias ou infecções do
trato urinário).
O prognóstico
da crise hiperglicêmica é pior em extremos de idade, na presença de coma e de
hipotensão.
A mortalidade na
crise hiperglicêmica está primariamente relacionada com o fator precipitante e,
mais raramente, com as complicações metabólicas da hiperglicemia ou
cetoacidose.
Diagnóstico Diferencial
A hiperglicemia
no paciente diabético pode ter como diagnósticos diferenciais, além da CAD e do
EHHNC:
- · Omissão da medicação hipoglicemiante ou insulina
- · Cetoacidose alcoólica
- · Sepse
- · Síndromes coronarianas Agudas
- · Embolia Pulmonar
- · Intoxicação por Salicilatos ou outro estado induzido por drogas
- · Pancreatite Aguda
- · Síndrome de Cushing
- · Abdome Agudo cirúrgico
- · Drogas: Glicocorticoides, diuréticos tiazídicos, anticonvulsivantes como fenitoína, contraceptivos orais e Betabloqueadores.
A maioria dos
casos de hiperglicemia na chegada do paciente à emergência se relaciona com o
controle inadequado ambulatorial do diabetes mellitus. Contudo, diversas
etiologias podem descompensar um quadro de hiperglicemia, como sepse e
síndromes coronarianas agudas.
A CAD tem também
outros diagnósticos diferenciais relacionados: Cetose de jejum, cetoacidose
alcoólica, acidose lática e outras acidoses com aumento de ânion GAP como lesão
renal aguda ou doença renal crônica.
Achados Clínicos
A evolução
clínica da CAD é mais rápida do que a do EHHNC, mas ambas emergências
hiperglicêmicas possuem sinais/sintomas progressivos de DM descompensado, como
poliúria, polidpsia e perda de peso.
Na CAD pode-se
ainda se apresentar com dor abdominal, náusea, vômito, hálito cetônico,
taquipneia e respiração de Kussmaul. Já na EHHNC o paciente pode apresentar uma
profunda desidratação e rebaixamento de nível de consciência (torpor ou coma).
Exames Laboratoriais
Na
emergência, devem ser solicitados exames de glicose capilar, hemograma (pode
haver desvio à esquerda sem infecção), eletrólitos (sódio, potássio, magnésio,
fósforo), ureia, creatinina, cetonemia, análise urinária, cetonúria, gasometria
e eletrocardiograma. Se necessário, solicitar radiografia de tórax e culturas
de sangue e/ou urina.
Critérios Diagnósticos
Lembrete 1: Osmolaridade efetiva = 2 x Na+ medido
+ Glicemia (mg/dl)/18
Lembrete 2: Na cetoacidose ocorre uma acidose
metabólica com ânion GAP aumentado devido a produção de cetoânions. É
importante lembrar como se calcula.
Ânion GAP = (Na+ medido) – (Cl- + HCO3-)
Tratamento
O
tratamento da CAD e do EHHNC são similares, como a correção da volemia e das
anormalidades eletrolíticas que estão tipicamente presentes, incluindo
hiperosmolaridade, hipovolemia, acidose metabólica (na CAD) e depleção de
potássio, e administração de insulina.
É
imprescindível ressaltar que o mais importante na sala de emergência não é a
correção da glicemia, mas sim a normalização distúrbios decorrentes dela. Somente
após estabilizar o paciente, a preocupação maior será essa.
- Hidratação
A
hidratação deve ser iniciada assim que o paciente chega à emergência.
A
hidratação com soro fisiológico (SF) deve ser feita até a glicemia atingir 200
mg/dL. Depois disso, trocar para soro NaCl com 5% de glicose e manter 150 – 200
ml/h para estabilizar a glicemia entre 150 – 200 mg/dL.
Cuidado: O sódio que se usará como parâmetro não é o que vem no resultado do exame, mas
sim o corrigido!! Isso ocorre pois a hiperglicemia, pelo seu efeito osmótico,
“puxa” água para dentro das células diluindo o sódio plasmático (que será
dosado no exame, mas não será o valor que ele realmente é).
Na+corrigido = (Na+)+ 1,6 x [(glicose em mg/dl) – 100/100]
- Potássio
O potássio deve ser avaliado a cada 2h ou 4h e
reposto se necessário. Pois, com a hidratação, reposição da insulina, correção
da acidose e da hipovolemia pode haver uma diminuição importante do potássio
sérico. É importante avaliá-lo sempre antes do início da insulinoterapia.
- Insulinoterapia
O tratamento com insulina somente deve ser
iniciado se o potássio sérico > 3,3 mEq/L. Deve ser feito uma dose de
insulina regular em bolus de 0,1 U/kg
IV e depois, a insulina regular deve ser mantida em bomba de infusão (BI) 0,1
U/kg/h IV.
A glicemia
capilar deve ser monitorada a cada 1h e é esperado que diminua 10%/hora. Se
essa queda da glicemia for menor que 10%, fazer bolus
de insulina regular 0,15 U/kg EV.
Ao atingir a
glicemia de 200mg/dL, deve-se reduzir a insulina IV para 0,05 U/kg/h, para
manter a glicemia entre 150 – 200 mg/dL.
- Bicarbonato
É raro a necessidade
de repor o bicarbonato na CAD, somente é feita se pH < 6,9*. No EHHNC não há
acidose.
*Há divergências
na literatura sobre esse valor, já sendo encontrado também se pH<7 ou="" p="" ph="">
- Fosfato
A hipofosfatemia leve é um achado
comum e geralmente assintomático durante a terapia da CAD. Não está indicada a
reposição desse sal de rotina em razão do risco de hipocalcemia.
Em situações de extrema depleção
(<1 1="" 20-30meq="" a="" aguda="" cl="" com="" como="" de="" dl="" durante="" es="" est="" fluidos="" fosfato="" graves="" h.="" indicada="" insufici="" l="" m="" manifesta="" mg="" ml="" ncia="" nicas="" no="" o:p="" o="" pot="" reposi="" respirat="" ria="" ssio="" ximo="">
Critérios de Resolução
- CAD
- Glicemia < 200 mg/dl
- Bicarbonato > 18 mEq/l
- pH > 7,3
- Estabilidade Hemodinâmica
- Ausência de náuseas e vômitos
- EHHNC
- Osmolaridade plasmática < 315 mOsm/kg
- Alerta e capaz de se alimentar
- Glicemias <250-300mg dl="" span="">
Com os critérios preenchidos, já
pode: liberar a dieta, suspender a infusão venosa de insulina após 1h depois da
aplicação da 1ª dose de insulina regular via subcutâneo e acrescentar NPH na
prescrição.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
MARTINS, HS; NETO, RAB; VELASCO,
IT. Medicina de Emergência: Abordagem prática. 11ª edição. Manole, 2016.
EMMET, M. Diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic state in adults:
Epidemiology and pathogenesis. Uptodate. 2016. Acesso em 10/09/2017.
MARTINS, HS; NETO, RAB; SANTOS,
RA; ARNAUD, F. Medicina de Emergência: Revisão rápida. 1ª edição. Manole, 2017.
FOSS-FREITAS, MC; FOSS, MC. Cetoacidose diabética e estado
hiperglicêmico hiperosmolar. Medicina,
Ribeirão Preto, 36: 389-393, abr./dez. 2003.
Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016) / Adolfo
Milech...[et. al.]; organização José Egidio Paulo de Oliveira, Sérgio Vencio -
São Paulo: A.C. Farmacêutica, 2016.